Surdez cortical, agnosias auditivas e afasias: como as distinguir

A surdez cortical, também conhecida como surdez central, tem origem, principalmente, em lesões corticais bilaterais no córtex auditivo primário.
O diagnóstico é difícil, devido à sua raridade e semelhança com outros distúrbios que afetam a linguagem.

A surdez cortical resulta da incapacidade de perceção dos sons, pelas áreas cerebrais auditivas. Nenhuma informação auditiva atinge o córtex cerebral, devido a danos ao sistema nervoso central.
A perceção auditiva pode definir-se como a capacidade de interpretar a informação sonora que chega ao ouvido. Para perceber a voz de alguém, é necessário identificá-la como tal e não a confundir com outros sons. A alteração da perceção auditiva pode resultar de diferentes problemas, podendo ter diferentes graus.

A agnosia auditiva é a incapacidade neurológica do cérebro reconhecer e identificar os sons, apesar da ausência de surdez importante. É um problema raro, causado por lesões temporais bilaterais ao nível do giro de Heschl.
Este défice pode provocar agnosia auditiva verbal, agnosia para sons familiares, ou agnosia musical:
1) Agnosia auditiva verbal, ou surdez pura da palavra – incapacidade de compreender a linguagem falada.
2) Agnosia para sons familiares, ou agnosia não-verbal – inibição da compreensão dos sons ambientais. Há um comprometimento seletivo dos sons.
3) Agnosia musical, ou amusia – Engloba a memória musical e o seu reconhecimento. Pode incluir uma inabilidade de reconhecer melodias, ou uma incapacidade para reproduzir sons, como cantar, ou tocar um instrumento musical. A amusia pode ser adquirida ou congénita. A primeira resulta de danos cerebrais, e a segunda é devida a uma anomalia do processamento musical desde o nascimento. Neste caso, as pessoas podem não perceber nem apreciar qualquer música.

Os pacientes com agnosia auditiva recorrem frequentemente à leitura labial para melhorar a compreensão da fala.
A capacidade de detetar sons puros permite distinguir entre agnosia auditiva e surdez cortical. Através da audiometria tonal, os pacientes com agnosia auditiva são capazes de detetar sons e de apresentarem valores perto do normal. No entanto, na audiometria vocal, são incapazes de perceber as palavras.
Nos casos de surdez cortical, os pacientes não respondem, nem na audiometria tonal, nem na vocal.
As causas mais comuns destes transtornos, são os acidentes vasculares cerebrais (AVC), traumatismos crânio-encefálicos, tumores cerebrais e problemas neurológicos.

Além destes transtornos que originam uma perda da função, existem outros em que as pessoas podem ouvir sons no interior do seu próprio organismo, como é o caso do zumbido. Há, ainda, as alucinações auditivas (ativação errada da atividade cerebral) em que se ouvem sons ou músicas, resultantes de perturbações psicológicas.
Entre os distúrbios da comunicação existem, ainda, as afasias, que interferem com a capacidade do processamento da linguagem. No entanto, não fazem parte das perturbações consequentes à surdez, podendo, também, comprometer a leitura e a escrita.
As mais importantes a considerar, dependendo das “áreas da linguagem” lesadas, são as afasias de Broca, de Wernicke e transcorticais.
1) Afasia de Broca (expressiva) – dificuldade em encontrar as palavras ao falar. Em geral, os pacientes, entendem o significado das palavras, mas a sua articulação é lenta e feita com grande esforço. A maioria das pessoas afetadas também são incapazes de escrever.
2) Afasia de Wernicke (recetiva) – dificuldade em compreender a linguagem e a escrita. A produção verbal é muito confusa. As palavras são ditas no lugar de outras, com troca de sílabas, tornando o discurso incompreensível.
3) Afasias transcorticais –linguagem espontânea muito pouco fluente, e que o paciente perde toda a capacidade para falar.

A surdez cortical geralmente tem um prognóstico funcional desfavorável, com opções terapêuticas limitadas. A reabilitação e a terapia da fala são recomendadas para melhorar a possibilidade de os pacientes comunicarem.
Todas as competências cognitivas, com inclusão da perceção auditiva, podem ser treinadas para melhorar o rendimento.
A plasticidade cerebral é a base da reabilitação da perceção auditiva e das outras capacidades cognitivas. Existem algumas soluções que permitem o treino auditivo personalizado para fortalecer estas capacidades.

Referência: Roger Gil, Surdez cortical e as agnosias, in Neuropsicologia (pág 163-168). https://1library.org/article/surdez-cortical-as-agnosias-neuropsicologia-roger-gil-pdf.yr2wo9pz
Créditos de imagem: https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/05/cerebro-inteligencia-20120801-01-original6.jpeg

Fernanda Gentil é Audiologista na Clínica ORL Dr. Eurico Almeida e Coordenadora da Widex Centros Auditivos – Porto. Licenciada em matemática aplicada – ramo de ciência de computadores, pela FCUP. Professora Adjunta do curso de Audiologia, na ESS do Porto. PhD em Ciências de Engenharia pela FEUP. Investigadora e orientadora de teses de Mestrado e Doutoramento, na FEUP. Os seus principais interesses relacionam-se com a Audiologia e Reabilitação Auditiva, assim como simulações matemáticas de modelos computacionais do ouvido. Fernanda Gentil is Audiologist at the ORL Clinic Dr. Eurico Almeida and Coordinator of Widex-Porto. Degree in Applied Mathematics - Computer Science, FCUP. Audiology Professor at ESS, Porto. PhD in Engineering Sciences, FEUP. Researcher and advisor of Master's and PhD theses at FEUP. His main interests are related to Audiology and Auditory Rehabilitation, as well as mathematical simulations of computational models of the ear.