O primeiríssimo cigarro que pousou nos meus lábios não tinha filtro e eu uma mera meia dúzia de anos, se tanto.
Roubei-o ao meu tio, enquanto lhe abria mais um maço novíssimo, uma das minhas funções para aquele verão. Segui para a sala, liguei a televisão, sentei-me no cadeirão de braços. A solenidade da ocasião acabou assim que tentei acender o cigarrito curto e aquilo não dava nada. Nem incandescia, nem fumegava, nem enchia a sala de aroma a palhinha queimada. Fósforo atrás de fósforo e nada.
Tanto cheiro a amorfo terá acabado por atrair a minha tia e a minha prima. Gozonas, embarcaram numa humilhação que acabou pouco sentida, mas serviu para não me esquecer mais desta história.
O segundo cigarro já vinha aceso. Era dos comunitários, dos que cheiram sempre bem, tinha doze anos. Houve vários segundos cigarros, já nem sei se por um ou dois anos ou se foram apenas 2 estações. Era tudo aroma, desenhos que se faziam no ar, momentos partilhados em rodinha.
Passei os 5 anos seguintes, alheia a isto e a tudo o resto que me era apresentado com corriqueirice: tabaco, haxixe, heroína, cocaína. Passei por cima, ao lado e, às vezes, por debaixo.
Aos 17 anos de idade não sei bem o que me aconteceu. Acho que troquei o primeiro amor pelos cigarros que ele fumava, depois de se ir embora. Sabiam a ele? Não sei. Mas acabei por apaixonar-me mais pelo tabaco.
Passados 19 anos de uma intensa relação, eu já não podia mais. Já não lhe suportava o cheiro, queria que desaparecesse, ou que ficasse para sempre. Fumar era o primeiro e o último ato de cada dia. Se ameaçasse faltar, eu chorava. Palavra de honra, eu chorava!
Todos os dias, o dinheiro desaparecia para três maços.
Não cresci numa casa em que fosse permitido fumar. Quem fumava teria que ser lá fora, longe dali e nem se falava nisso. Depois de 19 anos a fumar ainda não conseguia dizer que era fumadora. Mesmo que os meus dedos, mais o cheiro da minha roupa o dissessem. O hálito, a carteira, as finíssimas rugas, a constante dor de garganta, o catarro nas gargalhadas, uma dor nas costas. No pulmão?
Tentei, várias vezes, deixar de fumar. Umas vezes com pensos de nicotina, outras com choradeira, gritaria, a comer até não conseguir mexer-me. Um dia, não por nada, apercebi-me do meu maior terror: morrer antes dos meus pais. Provocar-lhes essa dor imensa, que nem o tempo cura. Não!
Pensei no que sentiria se me fosse diagnosticado um cancro no pulmão. Pensei muito nisso. Meditei até sentir que, sim, que o cancro já lá estava. Não senti medo, nem pânico, nem desgosto por ter esse destino, o meu sentimento predominante foi a vergonha. Senti-me estúpida. Insuportavelmente estúpida. Disse não, outra vez! Não é isso que eu quero para mim. Tenho que tentar sem drogas, sem sistemas complicados. Quando deixei de fumar, a publicidade a medicamentos e a «clínicas de abandono do fumo» proliferava. Decidi que iria conseguir deixar de fumar sozinha e ia conseguir melhor.
Comecei por arranjar muletas: o cigarro eletrónico, copos de água, amêndoas e parvoíces. Desenhei um calendário de um ano, com metas intermédias. Programei tudo para um ano e depois, logo se veria. Mas sempre com o pensamento: se voltar a pegar num cigarro, nunca mais deixarei de fumar. Objetivo: um dia de cada vez!
A primeira semana foi mais ou menos, a segunda foi pior. Perdi o meu “melhor amigo”? Passou um mês! Sobrou dinheiro!!! Dois, três, o quarto mês foi surpreendentemente difícil, mas no quinto, já passou. Um ano! Já posso fumar. Não quero! Ganhei 30 quilos juntamente com a certeza que não quero voltar a fumar. Não sinto falta.
O tabaco pode ter sido meu namorado, mas nunca foi o meu melhor amigo. Hoje, só sinto falta de ter menos 30 quilos. Parece que chegou a hora de desenhar outro calendário. E vou fazê-lo com um sorriso porque acredito que vou ser capaz!
Rita Carvalho