A dose de quimioterapia e a obesidade
No passado mês de abril, levantámos um pouco o véu acerca de um tema que tem vindo a ser abordado na comunidade científica, já que dados sugerem que uma percentagem considerável de doentes com cancro esteja a receber doses insuficientes de quimioterapia.
Em doentes oncológicos adultos, a dose de fármacos a administrar em quimioterapia baseia-se, tradicionalmente, na área de superfície corporal. Contudo, o uso da mesma tem vindo a ser questionado. Muitos fármacos são metabolizados e excretados pelo fígado, não sendo a área de superfície corporal um bom indicador para esta função. Por outro lado, a função renal já se relaciona, em certa medida, com a superfície corporal mas poucos fármacos têm como único mecanismo de eliminação a excreção através dos rins. Sabe-se ainda que reduções das doses dos fármacos podem comprometer o tratamento, nomeadamente quando a intenção é curativa, e, logo, comprometer a sobrevivência.
Apesar de vários estudos confirmarem a segurança e a importância de uma dosagem de quimioterapia baseada no peso total e atual do doente, muitos indivíduos com excesso de peso e obesidade (40%) continuam a receber doses limitadas de quimioterapia. Muitos oncologistas continuam a usar o peso ideal para o cálculo da superfície corporal ou a usar um valor fixo para esta área, em vez de usar o peso corporal atual. Além disso, em indivíduos obesos e com excesso de peso, as doses de quimioterapia variam, o que sugere práticas incertas entre médicos acerca da determinação da dose ótima.
A Sociedade Americana de Oncologia Clínica recomenda que o peso total dos doentes oncológicos seja a base para cálculo da dose de fármacos a administrar em quimioterapia. As orientações referem que não existe evidência que os efeitos secundários a curto ou a longo prazo estejam aumentados quando doentes obesos recebem doses baseadas no peso que apresentam e não na área de superfície corporal calculada em função de um peso ideal ou ajustado, isto é, doses mais elevadas.
A capacidade diminuída da medula óssea produzir células sanguíneas (mielossupressão), manifestada por anemia, baixa de glóbulos brancos e/ou das plaquetas, é uma das possíveis consequências da quimioterapia. A maioria dos estudos feitos indica que a mielossupressão é a mesma ou até menos pronunciada nos obesos que recebem doses baseadas no peso total, ou seja, doses maiores que nos não obesos. Assim, usando o peso total para determinação da dose de fármacos não implica, até pelo contrário, o aparecimento de mais efeitos secundários e/ou efeitos mais graves.
Dosagem de quimioterapia e composição corporal
Todavia, estudos recentes têm vindo a concluir que a composição corporal, mais do que o peso, é um potencial determinante do comportamento no organismo dos fármacos mais frequentemente utilizados. A medida corporal que tem vindo a ser sugerida como a mais associada a uma diminuição dos efeitos secundários é a massa magra, mais concretamente, a massa muscular, independentemente do peso ou do índice de massa corporal que o doente apresenta. Vários mecanismos parecem estar envolvidos, de entre os quais as alterações na distribuição da droga no organismo e o metabolismo do fármaco. Deste modo, a composição corporal, especialmente a massa magra, é determinante para a toxicidade da quimioterapia e para a progressão da doença oncológica, pelo que não só o peso mas a composição corporal deverão ser aspetos a ter em conta na prescrição da dosagem de quimioterapia.
Espera-se que orientações concretas que tenham em conta estes aspetos sejam definidas e postas em prática, em detrimento da forma tradicional de cálculo da dosagem a administrar, com importantes benefícios para os doentes oncológicos em quimioterapia.