Malformações do ouvido interno e diferentes indicações cirúrgicas

As malformações do ouvido interno podem surgir do desenvolvimento embriológico imperfeito ou ter origem em lesões durante a gravidez.
Estas malformações são provocadas por:
– Infeções sobretudo virais (rubéola, citomegalovírus, herpes simplex, sarampo, varicela)
– Hepatite, poliomielite, toxoplasmose
– Antibióticos, quininos, aminoglicosídeos, citostáticos e medicamentos utilizados no tratamento da epilepsia
– Deficiência de vitamina A durante a gravidez
– Agentes ambientais como herbicidas ou fungicidas contendo mercúrio e chumbo.
As malformações referidas, que podem ser uni ou bilaterais, relacionam-se com a cóclea, vestíbulo, canais semicirculares, canal vestibular ou coclear e canal auditivo interno

As malformações congénitas mais comuns do ouvido interno são:
Displasia de Scheibe – malformação congénita mais frequente, afetando o órgão de Corti. Este, situado no interior da cóclea, surge aqui pouco diferenciado, com deformidades ao nível das membranas que envolvem as suas estruturas. Encontra-se em pacientes com síndromes de Usher, Refsum e Jervell, Waardenburg, entre outras.
Displasia de Mondini – segunda malformação mais comum do ouvido interno. Na maioria dos casos, é bilateral. Uma cóclea normal tem duas voltas e meia, enquanto uma cóclea com esta displasia tem uma volta e meia (hipoplásica). As síndromes associadas às malformações de Mondini incluem Pendred, DiGeorge, Klippel Feil, Fonte, Wildervanck, Charge, entre outras.
– Displasia de Michel – ausência de ouvido interno (aplasia), apresentando ouvido externo e ouvido médio normais. Esta é uma displasia rara e na sua maioria, a função vestibular não é afetada.
Displasia de Alexander – o canal coclear não é claramente definido na parte basal da cóclea, pelo que provoca uma surdez mais acentuada ao nível das frequências agudas e uma audição residual nas frequências mais graves.
Anomalias do labirinto e canal vestibular – malformações dos canais semicirculares e vestíbulo, que habitualmente são hipoplásicos. Os pacientes apresentam, também, vertigem e transtornos de equilíbrio. Normalmente associado à síndrome de Pendred.
Anomalias do canal auditivo interno – este canal apresenta malformações, podendo incluir as artérias e os nervos que lhe estão associados (especialmente o nervo facial).
Para avaliação destes pacientes, são necessários exames audiológicos e técnicas radiológicas precisas. Os exames audiológicos essenciais são a Audiometria, Impedanciometria, Otoemissões acústicas e Potenciais evocados auditivos do tronco cerebral. Os exames imagiológicos mais importantes são a tomografia computorizada de alta resolução e a ressonância magnética. Esta, fornece excelentes dados sobre o tamanho e a forma da cóclea, do vestíbulo e dos canais semicirculares e dos fluidos da cóclea. É o único meio de evidenciar o nervo auditivo e de avaliar os segmentos intracranianos do nervo facial. Estes exames são, também, de extrema importância para abordagem cirúrgica de implante coclear.

As malformações do ouvido interno remetem sempre para surdez neurossensorial. O grau de perda auditiva associada pode variar, embora, geralmente, seja profunda.
Os aparelhos convencionais são recomendados quando há audição residual suficiente para se obter um ganho auditivo eficaz. Caso contrário, é necessário o recurso a implantes.

Com o avanço da técnica de inserção dos implantes cocleares, é possível usar elétrodos adaptados a cada uma das hipoplasias, revelando bons resultados auditivos. No entanto, em displasias mais graves, como displasia de Michel ou outras aplasias cocleares, esta intervenção não é aplicada. Nestes casos, não existem estruturas onde possam ser inseridos os elétrodos do implante. Na ausência de nervo auditivo, mesmo com a cóclea presente, o implante também é contraindicado. Nestas situações, não existe o “caminho” para levar os estímulos elétricos da cóclea para as vias auditivas centrais. Assim, nestes casos mais graves, a cirurgia viável, é a do implante no tronco cerebral.

Referência: Sennaroğlu, L., & Bajin, M. D. (2017). Classification and current management of inner ear malformations. Balkan medical journal34(5), 397-411.; Créditos de imagem: https://wellcomecollection.org/works/h2yymu26 Dr. David Furness Wellcome Collection

Fernanda Gentil é Audiologista na Clínica ORL Dr. Eurico Almeida e Coordenadora da Widex Centros Auditivos – Porto. Licenciada em matemática aplicada – ramo de ciência de computadores, pela FCUP. Professora Adjunta do curso de Audiologia, na ESS do Porto. PhD em Ciências de Engenharia pela FEUP. Investigadora e orientadora de teses de Mestrado e Doutoramento, na FEUP. Os seus principais interesses relacionam-se com a Audiologia e Reabilitação Auditiva, assim como simulações matemáticas de modelos computacionais do ouvido. Fernanda Gentil is Audiologist at the ORL Clinic Dr. Eurico Almeida and Coordinator of Widex-Porto. Degree in Applied Mathematics - Computer Science, FCUP. Audiology Professor at ESS, Porto. PhD in Engineering Sciences, FEUP. Researcher and advisor of Master's and PhD theses at FEUP. His main interests are related to Audiology and Auditory Rehabilitation, as well as mathematical simulations of computational models of the ear.