O fenómeno da experiência diferencial do tempo
Desde o tempo de William James, o pai da psicologia, que se distingue a noção de “tempo”: o tempo objectivo e o tempo subjectivo. O primeiro, de carácter cronométrico, é representado pelo tempo dos relógios que permite organizar a nossa sociedade e a nossa vida; o segundo, de carácter subjectivo, é o tempo percebido por cada um de nós, o tempo que verdadeiramente nos importa.
No caso dos doentes, especialmente os oncológicos, os tempos de espera inacabados são tão numerosos, que praticamente se entrelaçam uns nos outros durante anos, aumentando o sofrimento dos doentes e seus familiares:
- desde o momento que se valoriza a importância do primeiro sintoma até à visita ao médico
- a espera que precede os diferentes exames de diagnóstico
- espera dos resultados dos exames
- espera do diagnóstico
- espera do começo do tratamento
- espera da evolução da doença e dos efeitos do tratamento
- espera de novos exames de diagnóstico
- as avaliações periódicas… e assim passam dias, semanas, meses, e anos.
É por estas razões que considero de grande importância que os profissionais de saúde (médicos, psicólogos, enfermeiros, nutricionistas, entre outros) prestem uma especial atenção à vivência diferencial do tempo que experimentam eles próprios, mas também a dos doentes e seus familiares. É fundamental que os profissionais, através de uma comunicação empática e eficiente, saibam utilizar técnicas de “counselling”, de forma, a respeitar a autonomia e a dignidade dos doentes e sejam capazes de lhes aliviar o sofrimento.
Tal como disse o Anatole Broyard, crítico literário e ensaísta da revista do “New York Times”, durante quarenta anos, ao relatar a sua experiência como doente de um hospital universitário Norte-americano: “Para um médico, a minha doença é um simples incidente na sua rotina, para mim é a crise da minha vida”.
Embora o tempo definido pelo relógio do hospital seja o mesmo para todos os seres humanos que estão nele, a duração percebida do tempo que decorre é muito diferente para cada um deles. Para os doentes e seus familiares, o tempo é sempre um tempo de espera e quanto mais incerta a espera, pior as expectativas e maior é o sofrimento. Para os profissionais de saúde, o tempo é o tempo de trabalho, focados em fornecer bons diagnósticos e gerenciar os melhores tratamentos disponíveis. Quando alguém é absorvido por uma tarefa, o tempo é reduzido e, em certa medida, desaparece. Portanto, é fácil para os profissionais não estarem conscientes de que o mesmo relógio sinaliza, de facto, tempos diferentes. Enquanto que para os profissionais de saúde as horas são compreendidas como sendo “reduzidas” para a quantidade de trabalho a realizar (podendo levá-los a situações de exaustão), para os doentes que estão em espera as horas podem ser entendidas como “alargadas”, o que leva ao aumento de ansiedade e consequente sofrimento.
O humanista Cassell disse que: “o alívio do sofrimento e a cura da doença devem ser considerados como obrigações duplas da profissão médica verdadeiramente dedicada ao cuidado dos doentes”. Se nos esquecemos do primeiro e nos dedicamos exclusivamente ao segundo, o paciente sente-se solitário, desamparado e mal cuidado.
Conhecer o fenómeno da experiência diferencial do tempo pode ajudar a compreender melhor os doentes e as suas famílias, contribuindo para redução do sofrimento.