Cuidados multidisciplinares na oncologia: o papel dos nutricionistas

A observação clínica e a investigação extensiva em animais e humanos revelam a importância da nutrição na oncologia. Atualmente, a evidência científica é clara em definir a nutrição como adjuvante no tratamento oncológico convencional, devendo ser integrada nos cuidados multidisciplinares ao doente.

Os fatores alimentares estão associados a 30% dos cancros, ou seja, cerca de um terço, sendo de extrema importância a adoção de hábitos alimentares saudáveis. No entanto, após a instalação da doença, o papel da nutrição é inquestionável no tratamento e no prognóstico.

O tratamento oncológico envolve a cirurgia, a radio e a quimioterapia (e outros) mas não só, envolve a prevenção de recidivas dos tumores, a prevenção/inibição da formação/crescimento de metástases, o fortalecimento do sistema imunitário e a atenuação dos vários sintomas que podem ser a consequência dos efeitos dos tratamentos usados. Uma nutrição adequada, por via oral ou não, atua em todos estes objetivos do tratamento.

A nutrição como integrante do tratamento

O cancro provoca muitas alterações metabólicas. Há maior dificuldade de obtenção de energia pelas células, aumento dos gastos energéticos, maior destruição das células musculares e de gordura, e menor formação de tecido muscular. A perda muscular leva a falta de força e cansaço, limitando significativamente a capacidade para as rotinas do dia-a-dia, uma queixa frequente dos doentes oncológicos. Este défice muscular está ainda associado a maior risco de quedas e fraturas, a um tempo de hospitalização mais prolongado, a um aumento do risco de infeções e a uma maior ocorrência de efeitos adversos da quimioterapia.

As alterações provocadas pela doença e a toxicidade dos tratamentos podem levar à perda de peso. Entre 8 a 84% dos doentes com cancro pode vir a desenvolver desnutrição, a qual tem um impacto importante nas funções orgânicas, conduzindo a limitações significativas da capacidade funcional, pior qualidade de vida, mais queixas e agravamento das existentes, pior tolerância aos tratamentos e pior prognóstico. Sabe-se que a desnutrição é causa de morte em 20% a 40% dos doentes de cancro e não a doença em si.

É também cada vez mais comum a existência de doentes obesos que, além do excesso de gordura, apresentam perda de massa muscular. Esta situação é, geralmente, mais grave, pois, além dos fatores associados à baixa massa muscular, estes doentes têm caraterísticas de risco relacionados com a obesidade. Tudo isto piora o prognóstico e aumenta as probabilidades do cancro reaparecer. Na verdade, um indivíduo malnutrido, pode sê-lo por defeito (desnutrição) ou por excesso (obesidade), isto é, um indivíduo obeso pode estar malnutrido. O próprio excesso de gordura só por si está relacionado com questões hormonais associadas ao cancro da mama e da próstata e a perda de peso com preservação da massa magra é um dos objetivos nestes doentes.

O papel da nutrição na oncologia estende-se ao controlo de sintomas que impedem ou dificultam a ingestao alimentar; falta de apetite, náuseas/vómitos, diarreia, obstipação, mucosite, dificuldade e/ou dor em engolir, alterações do olfato e do sabor, entre outros. Assim, é imprescindível a avaliação e a deteção do risco nutricional ao diagnóstico e um acompanhamento regular por um nutricionista. Para tal, é, por vezes, fundamental recorrer-se à fortificação alimentar ou à suplementação nutricional oral.

O tratamento oncológico, bem como os sintomas podem levar à aplicação de sondas que exigem também uma intervenção do nutricionista para garantir todo um adequado estado nutricional e, logo, um melhor prognóstico.

Cada caso é um caso, com questões importantes a serem analisadas sob o ponto de vista nutricional (interações entre fármacos e nutrientes, fatores nutricionais específicos a ter em conta, entre outros). A nutrição deve estar representada pelos seus especialistas, os nutricionistas, e estes enquadrados na equipa multidisciplinar, o que nem sempre acontece.

Referências: Harvie MN et al.. Energy balance in early breast cancer patients receiving adjuvant chemotherapy. Breast Cancer Res Treat. 2004; 83 (3): 201-10. McMahon K et al.. Integrating proactive nutritional assessment In clinical practices to prevent complications and cost. Semin Oncol. 1998; 25 (2 Suppl 6): 20-7. Reeves GK et al.. Cancer incidence and mortality in relation to body mass index in the Million Women Study: cohort study. BMJ 2007; 335 (7630): 1134. Wojtaszek CA et al.. Nutrition impact symptoms in the oncology patient. Oncology Issues. 2002; 17 (2): 15-7. Zeman FJ. Nutrition and cancer. In: Zeman FJ, ed. Clinical nutrition and Dietetics. 2a ed New York: Macmillan; 1991, p.571-98. Fontes de imagens: Neutron(TM) Catheter Patency Device, photo by Calleamanecer 

Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.