Já se interrogou, por que razão emerge um número sem fim de anedotas e piadas na sequência de acontecimentos trágicos?
E já lhe aconteceu ficar impávido e surpreendido perante a capacidade que algumas pessoas têm de rirem de si mesmas, às vezes em situações muito dramáticas?
Se observarmos em redor vemos muitas situações que descrevem esta evidência. Posso contar uma pequena história verídica que ouvi recentemente: uma pessoa descrevia a reacção de um familiar próximo que teria que ser submetido a uma cirurgia cerebral bastante delicada e que perante a eminência da situação referiu com ar sério mas pleno de sentido de humor: “Será que vou ser submetido a uma nova forma de “lavagem cerebral”?
Quem ouve fica perplexo perante a capacidade que esta pessoa tem de “brincar” com algo tão sério mas na verdade trata-se de alguém que perante uma situação que o coloca perante uma angústia considerável, consegue aliviar essa tensão rindo da experiência e de si mesmo, o que não é fácil.
À semelhança desta história recordemos um filme memorável: “A vida é Bela” de Roberto Benigni, no qual Benigni representa o papel de um pai que estando com o filho num campo de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, consegue simular que se encontram num jogo para que o filho não perceba o dramatismo da experiência que estão a viver. A história humana está repleta destes exemplos surpreendentes e, ainda bem, pois não é por acaso.
Sigmund Freud, o “pai” da Psicanálise e inquestionavelmente, um dos autores que mais contribuiu para a compreensão da vida psíquica dos seres humanos, sobretudo nos seus aspectos mais ocultos e inconscientes, identificou vários mecanismos de defesa cuja função seria proteger o Ego, ou seja a nossa noção de “eu”, de integridade mental. A maioria dos mecanismos de defesa, descritos por Freud eram mecanismos neuróticos que reflectiam uma personalidade imatura e nem sempre saudável, do ponto de vista mental. Contudo, Freud e muitos outros psicanalistas enumeraram, também, mecanismos de defesa característicos de personalidades mais adultas e adaptadas, entre os quais o sentido de humor, o qual representa, inegavelmente, uma das formas mais eficazes e elevadas de superar o sofrimento e as adversidades.
O próprio Freud revelou este mecanismo, por diversas vezes como, por exemplo, quando no decurso da Segunda Guerra Mundial soube que os seus livros seriam queimados pelos nazis e comentou que estava a vivenciar verdadeiros progressos na humanidade pois se vivesse na idade média estaria ele a ser queimado e não apenas os seus livros.
Quando somos capazes de rir, apesar das dificuldades, conseguimos olhar para nós mesmos e para a vida de um outro ângulo, de uma nova perspectiva, que torna tudo menos dramático e contudo não menos real. Se há verdade fundamental é a de que todos nós, na nossa condição humana, estamos sujeitos a momentos de infelicidade e a alguma dose de sofrimento. É uma condição da existência. Sermos capazes de rir nesses momentos permite perceber o que há de sublime em nós e aligeirar o “fardo”, porque a vida pode ser tão trágica quanto cómica.
[fonte]Referencias: FREUD, S. O humor (1927). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XXI. [/fonte]