O que é tornar-se cuidador informal?

A “doença, incapacidade e morte são experiências comuns” a todos os seres humanos, afirma o médico psiquiatra americano John Rolland. Assim, por força das circunstâncias, um cabeleireiro, um professor, uma cozinheira, uma reformada, um vizinho, conhecido ou amigo, pode tornar-se cuidador informal de uma pessoa com cancro, já que este quadro prolifera mundialmente. Em 2020, 19.3 milhões de pessoas foram diagnosticadas com cancro em todo o mundo. Quer pelos seus sintomas, como pelas consequências do seu tratamento a que são submetidas, estas pessoas ficam mais vulneráveis, precisando muitas vezes de apoio total ou parcial na gestão do seu dia-a-dia. Assumir o papel de cuidador informal envolve uma redefinição da rotina pessoal e a emergência de novas necessidades em prol do bem-estar da pessoa doente.

Em Portugal, ainda não existem dados oficiais sobre o perfil do cuidador informal de pessoas com doença oncológica. Os dados de um estudo realizado nos Estados Unidos, em 2016, sugerem que aqueles que assumem este papel são maioritariamente mulheres de meia-idade, familiares da pessoa doente. Normalmente sem uma preparação prévia, estas pessoas passam a realizar várias tarefas pela pessoa doente, que podem ou não estar diretamente relacionadas com o cancro e o seu tratamento. Tornar-se cuidador informal pode implicar marcar exames, gerir e administrar medicamentos, movimentar contas, organizar tarefas domésticas e simultaneamente ser fonte de apoio psicológico e suporte social da pessoa doente.

No processo que é a vivência da doença, os cuidadores informais exibem diversas necessidades relacionadas com o seu papel. Em primeiro lugar, sentem uma grande ausência de informação sobre a doença e o tratamento, os seus efeitos secundários, os cuidados e a alimentação adequados à pessoa doente. Esta situação leva alguns a procurarem informações online, por vezes fornecidas por fontes dúbias. Uma outra dificuldade frequentemente reportada é fazer a gestão das emoções desagradáveis da pessoa doente, como a raiva, a tristeza, o desespero. A tudo isto acresce ainda a dificuldade em manter o seu próprio bem-estar psicológico e em ter fontes de suporte social que compreendam esta situação e se abstenham de tecer juízos de valor sobre os cuidados que presta.

Apesar das adversidades, tornar-se um cuidador informal também pode ser uma fonte de experiências positivas. Cuidar pode fortalecer a relação com a pessoa doente. Este papel aporta para alguns cuidadores informais um sentido de propósito na sua vida. As prioridades do dia-a-dia também podem sofrer alterações para um maior aproveitamento de oportunidades que realizam a pessoa, mesmo na eventualidade de morte da pessoa cuidada.

É pertinente destacar que a investigação tem demonstrado que ambas as vertentes positiva e mais negativa da prestação de cuidados informais a pessoas com cancro não são mutuamente exclusivas. Ou seja, não é por o cuidador informal sentir maior propósito na sua vida que a sua ansiedade relativamente à condição de saúde da pessoa doente diminui.

Idealmente, os profissionais que acompanham a pessoa doente e o cuidador informal devem sempre estabelecer uma parceria para otimizar os cuidados à pessoa com cancro e tentar manter o bem-estar do cuidador informal. Nessa medida, é importante que os profissionais estejam atentos e disponíveis para os cuidadores informais. Reunidas estas condições, cabe também aos cuidadores informais expor as suas dúvidas e reivindicar o apoio de que necessitam, quer para a pessoa doente, quer para si mesmos.

Referências: Balfe, M., O’ Brien, K., Timmons, A., Butow, P., O’ Sullivan, E., Gooberman-Hill, R., & Sharp, L. (2016). What factors are associated with posttraumatic growth in head and neck cancer carers?. European Journal of Oncology Nursing21, 31–37. https://doi.org/10.1016/j.ejon.2015.11.005; Rolland, J. S. (2012). Mastering family challenges in serious illness and disability. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes (pp. 452–482). Guilford Press.;Sung, H., Ferlay, J., Siegel, R. L., Laversanne, M., Soerjomataram, I., Jemal, A., & Bray, F. (2021). Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA: A Cancer Journal for Clinicians, 71(3), 209–249. https://doi.org/10.3322/caac.21660;Wang, T., Molassiotis, A., Chung, B. P. M., & Tan, J. Y. (2018). Unmet care needs of advanced cancer patients and their informal caregivers: A systematic review. BMC Palliative Care,17(1), 1–29. https://doi.org/10.1186/s12904-018-0346-9; Créditos da imagem: Gus Morettaon Unsplash

Carolina Blom é psicóloga (Nº OPP: 25152), mestre em Psicologia com especialização em Clínica e Saúde pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa. Atualmente é estudante de doutoramento na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde investiga sobre a qualidade de vida do cuidador informal da pessoa com doença oncológica. No seu percurso académico e profissional trabalhou com adultos maiores institucionalizados, estudantes do 1º ciclo, encarregados de educação, professores e auxiliares e crianças e jovens em risco. O seu interesse na prestação de cuidados às pessoas com doença oncológica despertou durante a experiência enquanto voluntária no acompanhamento de doentes e das suas famílias e, posteriormente, pela experiência pessoal enquanto cuidadora informal. Usa o novo acordo ortográfico. Carolina Blom is a psychologist (License Nr: 25152) and has a master’s degree in Psychology with a specialization in Clinical and Health from the Faculty of Education and Psychology of the Catholic University of Portugal. Currently, she is a PhD student at the Faculty of Psychology and Educational Sciences of the University of Porto, where she researches about the quality of life of the informal cancer caregiver. In her academic and professional path, she worked with older adults, primary school students, teachers, educators, and children and young people at risk. Her interest in cancer caregiving arose during her experience as a volunteer in the care of patients and their families and later through her personal experience as an informal caregiver.