Uma alimentação rica em gordura parece estimular o crescimento do cancro colo-retal e um estudo publicado, este ano, na revista Cell sugere como isso pode acontecer.
Antes de passarmos às conclusões do referido estudo é importante ter em conta algumas noções.
O intestino delgado e o cólon passam por um processo de regeneração constante do seu revestimento, de modo a ultrapassar os “danos” causados pelos ácidos biliares, os quais auxiliam na digestão dos alimentos e na absorção de colesterol, gorduras e nutrientes solúveis em gordura. Para ultrapassar esses “danos”, o intestino apresenta uma população de células indiferenciadas que podem substituir as células do revestimento sempre que necessário.
Geralmente, o cancro colo-retal tem origem em mutações nessas células indiferenciadas, sendo as mutações no gene APC as mais comuns neste tipo de cancro em humanos.
Os investigadores trabalharam com modelos de animais (ratos) com mutações de APC, os quais desenvolveram sinais precoces de cancro colo-retal, mais especificamente formações benignas chamados adenomas. Em humanos, os adenomas são comuns no intestino e são rotineiramente removidos durante as colonoscopias. Essas formações levam, normalmente, décadas para se transformarem em adenocarcinomas malignos. No entanto, os adenomas, nestes ratos, rapidamente se tornaram cancerígenos, quando receberam dietas ricas em gordura.
Sabendo que uma alimentação rica em gordura estimula a libertação de ácidos biliares e que estes enviam sinais hormonais para as células indiferenciadas através de uma proteína chamada farnesoid X receptor (FXR), os investigadores monitorizaram os níveis dos referidos ácidos. Foi verificado que aqueles que são conhecidos por afetarem o FXR aumentaram ao mesmo tempo que o início do cancro e que a presença de ácidos biliares adicionais acelerou a progressão da doença.
Neste estudo, uma dieta rica em gordura aumentou os níveis de dois ácidos biliares específicos que diminuem a atividade do FXR. Na tentativa de reparação intestinal normal, o FXR mantém o processo lento, estável e seguro. Quando os ácidos biliares inibem o FXR, um grupo de células indiferenciadas começa a crescer rapidamente e acumula danos no ADN. Assim, foi verificado que um equilíbrio de ácidos biliares no intestino é fundamental para diminuir o desenvolvimento do cancro, nomeadamente a progressão de adenoma para adenocarcinoma.
Deste modo, o estilo de vida e a genética convergem, no desencadear do cancro colo-retal, pois uma alimentação rica em gordura parece afetar a sinalização hormonal entre os ácidos biliares e as células indiferenciadas com mutações de APC.
Face aos resultados obtidos, os autores do trabalho em questão justificam o aumento de mortes por cancro colo-retal em indivíduos mais novos (menos de 55 anos) pelo aumento do consumo de uma alimentação mais rica em gordura, nomeadamente em pessoas com mutação de APC.
Em conclusão, a relação entre uma alimentação rica em gordura e o cancro colo-retal terá por base o facto deste tipo de dieta alterar o equilíbrio dos ácidos biliares no intestino, além de desencadear um sinal hormonal que permite que as células cancerígenas se desenvolvam.
[fonte] Referências: Ting Fu, Sally Coulter, Eiji Yoshihara, Tae Gyu Oh, Sungsoon Fang, Fritz Cayabyab, Qiyun Zhu, Tong Zhang, Mathias Leblanc, Sihao Liu, Mingxiao He, Wanda Waizenegger, Emanuel Gasser, Bernd Schnabl, Annette R. Atkins, Ruth T. Yu, Rob Knight, Christopher Liddle, Michael Downes, Ronald M. Evans. FXR Regulates Intestinal Cancer Stem Cell Proliferation. Cell, 2019; 176 (5): 1098. Fontes de imagens: https://www.youtube.com/watch?v=fW4Y_poPPxg; https://www.tmj4.com/news/national/black-and-hispanic-youth-are-targeted-with-junk-food-ads-research-shows [/fonte]