A doença oncológica nas crianças passa por muitas fases e por diversos tratamentos. O yoga ajuda muito na recuperação física e emocional da criança e de todos os que diretamente estão envolvidos. Trabalhar com crianças é um privilégio e a psicologia tem também aqui, um papel fundamental. Tal como afirma a psicóloga Filomena Coutinho: “ao trabalhar com doentes oncológicos, o processo de aceitação é o trabalho mais importante.” A aceitação para o praticante de yoga é: aceitar o que somos, como somos, no momento presente.
Filomena Coutinho Almeida, é psicóloga em contexto escolar. Licenciou-se em Psicologia pela Universidade do Porto no ano de 1989 e concluiu o mestrado em Psicologia Clínica em 1996. Desde a licenciatura, trabalhou sempre em Serviços de Psicologia implantados em escolas públicas. Contudo, optou por manter sempre um trabalho paralelo em outros contextos, nomeadamente o clínico, para poder desenvolver os seus conhecimentos e melhorar a prática profissional, visto que nesses outros contextos tem mais oportunidades de trabalhar em equipa com outros colegas da área.
Devido à experiência que Filomena Coutinho tem vindo a acumular ao cruzar o campo da psicologia com o yoga e o cancro, organizei algumas perguntas e realizei uma entrevista como o objetivo de esclarecer todos os interessados.
Qual o tipo de trabalho que realizas com pacientes cancerosos?
Os alunos que acompanhei estavam em regime de internamento alternado com vindas à escola. Desenvolvo o atendimento individual ao aluno e o apoio à sua família numa perspetiva narrativa, a partir das experiências quotidianas que são relatadas pelo próprio.
Além do atendimento individual organizo com a equipa de educação especial o ensino à distância para que, os que assim o desejem, possam manter a ligação à escola e assistir às aulas por videoconferência, ter apoio individualizado de alguns professores destacados para o efeito e disporem de um regime especial de avaliação.
Podes fazer um pequeno resumo sobre as formas de aceitação da doença? Em adultos e em crianças?
Não diria formas de aceitação, mas processo de aceitação. No processo de doença prolongada ou crónica há sempre perdas. A vivência da perda é algo de muito pessoal e subjetivo e tem a ver com a forma como a pessoa se sentia consigo mesma, com os outro e com a vida, enquanto pessoa saudável. Há sempre a perda do estatuto de pessoa saudável, a perda da autonomia, a perda das rotinas diárias, a distância da escola, dos colegas, a hipótese de não progredir o ano…vivências que implicam perdas e por consequência, um processo de luto. A primeira etapa supõe sempre que se trabalhe a aceitação de cada uma dessas perdas e o seu reenquadramento num período mais alargado de tempo, o que pode ser difícil em crianças e/ou adolescentes. A minha experiência diz-me que com adolescentes é sempre mais complexo, porque estão em plena fase de construção de identidade, de alguma irreverência (variável entre eles), de desorientação organizativa. Verifiquei que os que foram “apanhados” por um prolongado processo de doença nesta etapa, sentiram uma intensa revolta. Acompanhei uma criança de 10 ano e essa revolta não era tão evidente.
Ao trabalhar com crianças e adolescentes com cancro, o que é mais importante na consulta?
A relação de confiança, o apoio emocional e aceitação de todas as emoções contraditórias sentidas, a promoção de vivências que não se prendam apenas com a doença. A doença existe mas não é exclusiva. Existe mais. Por esse motivo, para alguns, manter a ligação à escola é muito importante.
Realizas algum tipo de trabalho com os familiares, em paralelo?
Sim, é fundamental apoiar os medos, angústias, e outros sentimentos que os pais e irmãos sentem. Existem momentos de grande esperança e momentos de cansaço, angústia e desespero. O desgaste pode ser muito significativo. De qualquer modo, esse apoio é mais esporádico porque costumam ser atendidos no serviço de psico oncologia da Liga Portuguesa contra o Cancro.
As crianças são informadas da doença? Têm plena consciência do que se passa?
Sim, são notificadas da doença e têm consciência do que se passa. A consciência própria da sua idade. Plena… bem… talvez nem os adultos tenham consciência plena.
A prática do yoga, ajuda-te na forma como lidas com a doença?
A prática do yoga é bastante estruturante em todo o meu desempenho profissional. Ajuda-me a saber estar comigo, a aprender a respirar, centrar-me, relaxar. Ajuda-me a ter consciência de mim, como um todo. Preciso de estar bem para poder ajudar.
Utilizas técnicas de yoga na consulta, ou em algum tipo de terapia, quando tratas doentes com cancro?
Recorro ao relaxamento baseado em técnicas de respiração.
Sentes que ao utilizar estas técnicas de yoga, os doentes sentem os benefícios de forma efetiva?
Sim, muito. Promove o bem-estar e reduz os níveis de ansiedade, de pensamentos circulares e de distanciamento de outros acontecimentos da vida para além da doença.