Crianças com cancro, os pais e um estilo de vida saudável

As taxas de sobrevivência nas crianças com cancro aumentaram significativamente nos últimos 30 anos. Contudo, trata-se de uma população em risco de excesso de peso ou obesidade, devido aos efeitos dos tratamentos e aos comportamentos relacionados com um estilo de vida menos saudável, após a conclusão dos mesmos.

A obesidade potencia o aparecimento de complicações cardiovasculares e pulmonares dos tratamentos e de tumores secundários, tornando ainda mais importante a prevenção da instalação de um peso excessivo em sobreviventes de cancro na infância. Todavia, vários estudos que envolvem esta população têm demonstrado práticas alimentares e de atividade física insatisfatórias, sendo precisamente estes os fatores de risco para a obesidade e para outras condições crónicas passíveis de serem modificados. Apesar disso, verifica-se que os sobreviventes de cancro pediátrico não aderem mais facilmente às recomendações dietéticas ou de atividade física que a população em geral. Em média, consomem calorias em excesso, quantidades insuficientes de ácido fólico, cálcio e ferro e não atingem as recomendações mínimas para a atividade física: 60 minutos/dia.

criancas-com-cancroCrianças com cancro e a importância do envolvimento dos pais

Os pais de crianças sobreviventes de cancro enfrentam desafios psicológicos únicos, no exercício da influência que têm na dieta e na atividade física dos seus filhos.
Segundo um trabalho realizado com crianças a serem tratadas de leucemia linfoblástica/linfocítica aguda, estas eram, muitas vezes, vistas pelos seus pais como vulneráveis ou como estando em desvantagem. Neste estudo, verificou-se que estas crianças estavam mais sujeitas a uma proteção excessiva, a uma ingestão alimentar na ausência de fome e a uma série de atitudes que foram associadas ao consumo aumentado de alimentos mais pobres nutricionalmente e diminuído de frutas e vegetais, comparativamente a um grupo de crianças saudáveis. Outros trabalhos demonstram que os pais tendem a ser naturalmente mais protetores, o que foi associado a uma pior qualidade de vida dos seus filhos, nomeadamente na restrição à participação em atividades físicas. O próprio stresse parental relacionado com os tratamentos também foi associado a maiores dificuldades de adaptação social e comportamental em sobreviventes de cancro pediátrico.

É, então, importante que haja um acompanhamento dos pais que minimize a proteção excessiva e o stresse, trazendo benefícios não só para os próprios como também para a qualidade de vida dos seus filhos, minimizando o risco de complicações associadas a um estilo de vida sedentário e pobre nutricionalmente.

Os pais são determinantes na adoção de hábitos alimentares e de atividade física dos seus filhos, pelo que o seu envolvimento nas intervenções para a saúde de crianças sobreviventes é fundamental. Mesmo quando estes continuam a manifestar um aumento dos riscos para a saúde, incluindo a obesidade, o envolvimento parental não deve ser negligenciado em intervenções ao estilo de vida. Devem ser implementadas estratégias que envolvam diretamente os pais nessas intervenções, como a criação de grupos parentais focados no desenvolvimento de intervenções e na discussão de materiais e estruturas de intervenção, bem como a criação de atividades específicas para os pais.

O envolvimento parental nas intervenções para o exercício e para a dieta em sobreviventes de cancro pediátrico parece ter uma grande importância na implementação de alterações do estilo de vida a longo prazo.

A inclusão dos pais tem mostrado contribuir para a redução do risco de obesidade e, logo, para o aparecimento de complicações dos tratamentos oncológicos em doentes oncológicos pediátricos.

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Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.