As náuseas e os vómitos induzidos pela quimioterapia continuam a ser dos efeitos secundários mais frequentes, atingindo 60 a 80% dos doentes sob este tratamento. Para controlo destes sintomas, muitos doentes recorrem ao gengibre mas o que diz a ciência acerca do seu efeito?
Náuseas e vómitos no cancro
Além de causarem uma sensação de mal-estar, as náuseas e os vómitos podem prejudicar o estado nutricional, contribuindo para um quadro de desnutrição, com repercussões no sistema imunitário, no balanço eletrolítico, na performance e na qualidade de vida. Estes sintomas podem, ainda, dificultar o tratamento, já que pode haver necessidade de reduzir a dose dos citotóxicos, o que influencia a taxa de sucesso.
Náuseas e vómitos: fármacos usados e gengibre como complemento procurado
Os fármacos antieméticos são auxiliares importantes no controlo das náuseas e dos vómitos. Todavia, podem provocar efeitos secundários significativos, como diarreia, dores de cabeça, tonturas e falta de força. Consequentemente, muitos doentes optam por estratégias alternativas. Um dos produtos mais procurados é o gengibre (Zingiber officinale), o qual é conhecido como tendo um efeito antiemético, devido à presença de compostos ativos, como o gingerol, o shogaol, a zingerona e o paradol. Este efeito tem sido estudado na gravidez, no pós-operatório e noutras condições mas a eficácia em doentes com cancro da mama submetidos a quimioterapia tem mostrado resultados controversos.
A medicação antiemética atual, como os antagonistas 5-HT3 (dolasetron, granisetron, ondansetron, palonosetron, tropisetron), previnem a ligação dos neurotransmissores aos seus recetores, no trato gastrintestinal. Embora o mecanismo principal do efeito do gengibre na redução das náuseas e dos vómitos seja desconhecido, pensa-se que possa ser devido ao efeito dose-dependente sobre os recetores 5-HT3 e neuroquinina 1 e sobre a substância P. Assim, o gengibre pode aumentar os efeitos antieméticos das medicações, através da ligação aos recetores.
O gengibre apresenta, ainda, outras propriedades: parece prevenir o dano oxidativo dos tecidos, por estimulação de enzimas específicas, e estudos com animais têm mostrado que aumenta o esvaziamento gástrico e a motilidade intestinal.
Náuseas e vómitos: a controvérsia em torno do gengibre
Como foi referido, têm existido resultados contraditórios acerca da ação do gengibre sobre os vómitos. Uma das explicações pode ser o facto de a administração de antagonistas do recetor 5-TH3 diminuírem significativamente a frequência do sintoma, ao ponto de os doentes que recebem este tipo de medicação poderem não apresentar vómitos a uma frequência suficientemente elevada para responder à intervenção com gengibre.
Outros resultados indicam falta de efeito do gengibre sobre o agravamento das náuseas e dos vómitos com o avançar dos ciclos de quimioterapia, nomeadamente em regimes altamente emetogénicos (com risco elevado de vómitos). Uma das possíveis razões para a falta de efeito do gengibre sobre os efeitos tardios indicado nestes trabalhos pode ser a inclusão de doentes sob regimes altamente emetogénicos, não se avaliando noutro tipo de regimes de risco menos elevado.
Outra razão pode ser o uso de aprepitant, como um fármaco antiemético antagonista dos recetores da neuroquinina 1. O recurso ao mesmo juntamente com o gengibre parece aumentar a gravidade das náuseas, o que indica uma possível interação entre o gengibre e os fármacos antieméticos prescritos, especialmente o aprepitant.
Por outro lado, noutro estudo, a quimioterapia com doxorubicina + ciclofosfamida associada à ingestão de gengibre induziu menos vómitos que no grupo de controlo (sem gengibre). A interação da quimioterapia com a planta ainda não foi totalmente investigada, podendo esta ser mais eficaz em doentes submetidos a regimes específicos de quimioterapia.
As diferenças nas metodologias dos trabalhos realizados, como forma de administração do gengibre (cápsulas de componente ativo, raiz em pó, óleo de gengibre), o momento de administração do mesmo (antes ou após a quimioterapia), entre outros fatores torna difícil tirar conclusões que permitam recomendar o gengibre para a prevenção das náuseas e dos vómitos ou como adjuvante no tratamento dos mesmos, em doentes com cancro da mama submetidos a quimioterapia.
Quanto ao momento do consumo, parece que começar o tratamento com gengibre antes da quimioterapia pode levar a melhores resultados. Todavia, mais estudos são necessários para confirmar.
Relativamente a doses, autores reportaram que uma dose de 0,5 a 1 g de gengibre controlou efetivamente as náuseas agudas, ao passo que uma dose de 1,5 g não foi eficaz. Outros autores indicaram que uma dose de 1 g/dia de gengibre foi mais eficaz contra as náuseas provocadas pelo movimento que uma dose de 2 g. Assim, parece que uma dose de 1 g de gengibre satura todos os recetores, levando a que doses superiores não sejam efetivas.
Numa revisão sistemática e meta-análise, o efeito do gengibre sobre as náuseas e os vómitos induzidos pela quimioterapia em todos os cancros foi investigado e concluiu que não existe evidência que suporte o uso de gengibre para prevenir as náuseas e os vómitos induzidos pela quimioterapia. Contudo, cada cancro tem um protocolo terapêutico específico e cada protocolo pode exercer diferentes taxas de náuseas.
Náuseas e vómitos: conclusões relativas ao consumo de gengibre
Embora o gengibre seja, muitas vezes, recomendado no controlo das náuseas e dos vómitos induzidos pela quimioterapia, são necessários estudos metodologicamente mais rigorosos. Será importante analisar os regimes de quimioterapia, o uso de antieméticos, os fatores de risco para desenvolvimento de náuseas e vómitos, a preparação da forma de administração do gengibre, a dose de gengibre/componente ativo administrado e a duração da intervenção com o mesmo. Só assim será possível compreender o seu efeito na prevenção e/ou controlo das náuseas e dos vómitos induzidos pela quimioterapia.
Em conclusão, a ciência sugere que o gengibre pode reduzir as náuseas na fase aguda da quimioterapia, em doentes com cancro da mama. O efeito noutras condições requer mais estudos para estabelecer com firmeza a eficácia clínica da planta.
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