Dieta alcalina no tratamento do cancro: a ciência não tem provas

Após o diagnóstico de cancro, muitos doentes procuram informação acerca do que poderão fazer mais para combater a doença. As fontes de informação podem ser várias. Com maior ou menor credibilidade científica, o facto é que muitos doentes alteram a alimentação e recorrem a suplementos alimentares e plantas. Uma das dietas mais populares é a dieta alcalina.

Dieta alcalina: em que se baseia?

dieta alcalina, pH dos alimentos

O fundamento não sustentado pela ciência refere que os alimentos ácidos (produtores de cinzas ácidas após combustão) podem alterar o pH do organismo, promovendo e potenciando o desenvolvimento de cancro. Como alimentos ácidos, tem-se os ovos, o queijo, a carne, o peixe e os grãos. No lado oposto, como alimentos alcalinos, encontram-se as frutas e os hortícolas (com algumas exceções). Por outro lado, existem alimentos neutros; as gorduras e os açúcares.

Dieta alcalina: influencia o pH do organismo?

Segundo esta teoria da dieta alcalina, as células cancerígenas propagam-se num pH ácido, não sobrevivendo em meios com pH alcalino. O facto é que esta situação se verifica mas, unicamente, com células em laboratório. No organismo humano, é impossível alterar o ambiente celular para menos ácido. Assim, evitar certos alimentos, dando preferência a outros para aumentar o pH, não é possível, pois a nossa fisiologia não o permite. Para além disso, sabe-se que o cancro produz um meio ácido em seu redor, devido ao seu metabolismo, mas isto é, muitas vezes e erradamente, interpretado como sendo o meio ácido a causar cancro.

No organismo humano, é mantido um equilíbrio do pH, através de vários mecanismos. Variações nesse equilíbrio são sempre ameaçadoras para a vida, intervindo-se medicamente para restituir um balanço ácido-base adequado. O único fluído corporal cujo pH pode ser afetado através dos alimentos, das bebidas e dos suplementos alimentares é a urina, não correspondendo este ao pH do organismo. Aliás, o excesso de acidez ou de alcalinidade da mesma corresponde a uma forma de manter um pH adequado no organismo.

Recomendações para doentes oncológicos

Para além da dieta alcalina, são vários os tipos de alimentação a que muitos doentes oncológicos recorrem. Dietas que não mostrem benefícios clínicos mas que possam ter riscos nunca deverão ser recomendadas. De modo a que o benefício dos doentes seja garantido, deverão ser considerados estudos controlados. Para além disso, os estudos de caso e os estudos pré-clínicos não devem ser esquecidos, quando se pretende avaliar um eventual risco. Não obstante, o reforço da importância da continuidade dos tratamentos oncológicos é fundamental, não devendo o doente omiti-los ou atrasá-los com base no tipo de dieta que faça.

A alimentação pode influenciar o risco de cancro e a progressão da doença. No entanto, uma dieta ácida ou alcalina não tem essa influência. Optar por uma dieta saudável – equilibrada, variada e completa, adequada às necessidades nutricionais individuais e que tenha em consideração eventuais sintomas do doente é a escolha mais acertada.

Referências: American Institute for Cancer Research – www.aicr.org (acedido a 27/4/2018); Huebner J et al. Counseling patients on cancer diets: a review of the literature and recommendations for clinical practice. Anticancer Res. 2014; 34(1): 39-48. Fontes de imagens: http://www.farmavidacanarias.com/la-dieta-alcalina-comer-en-funcion-del-ph/; http://holmesplace.pt/pt/dieta-alcalina-e-beneficios-para-a-saude-a2554.html#sthash.2O9PLADW.dpbs

Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.