Dieta e insulina na sobrevivência do cancro colo-retal: qual a relação?

A evidência científica sugere que os níveis de insulina após o diagnóstico podem influenciar a sobrevivência de doentes com cancro colo-retal, dado que níveis elevados de insulina promovem a proliferação das células cancerígenas e inibem a apoptose.

Após o diagnóstico, uma dieta que resulte numa produção elevada de insulina pode ter efeitos adversos na sobrevivência de doentes com cancro colo-retal, tal como a obesidade e a inatividade física.

Insulina: a carga e o índice

Tendo em conta 1160 doentes com cancro colo-retal (estadio I-IV), um trabalho publicado recentemente concluiu que quanto mais elevada é a pontuação insulínica (o índice e a carga obtida através de questionário alimentar) após o diagnóstico, maior é a mortalidade pela doença. O mesmo não se verificou para pontuações glicémicas elevadas, o que evidencia que a insulina será um preditor mais adequado da mortalidade por cancro colo-retal que a glicemia.

As pontuações glicémicas são o reflexo do organismo à ingestão de alimentos que contenham hidratos de carbono. Por outro lado, as referentes à insulina refletem diretamente a sua elevação induzida pela ingestão de qualquer alimento que contenha calorias. Assim, os resultados do estudo referido sugerem que a avaliação da ingestão de alimentos que aumentem consideravelmente a insulina possa ser importante para o prognóstico de doentes com cancro colo-retal.

Já outros estudos anteriores conduzidos em doentes com o mesmo diagnóstico tinham mostrado uma associação positiva entre os níveis pré-diagnóstico de péptido C, um marcador da secreção de insulina, e a mortalidade, não se tendo verificado o mesmo resultado em relação à glicemia.

É importante referir que os picos após as refeições de glicose, como indicados através das pontuações glicémicas, representam apenas hiperglicemia aguda. Assim, não se pode colocar de parte a possibilidade que a hiperglicemia crónica possa influenciar a mortalidade por cancro colo-retal. Um estudo concluiu que, em doentes com este diagnóstico e com diabetes tipo 2, cujo controlo glicémico a longo termo foi efetuado através da hemoglobina glicada, o não controlo ou um controlo ineficaz da glicemia estava associado a uma redução de 5 anos na sobrevivência, comparativamente aos doentes com um controlo adequado.

Todavia, é importante não se descurar a influência da ingestão de proteínas, a qual induz a secreção de insulina sem aumentar a glicemia. Independentemente deste efeito insulinogénico, esta ingestão ativa a proteína alvo da rapamicina nos mamíferos (mTOR). A proteína mTOR tem um papel importante na síntese proteica, no crescimento celular e no metabolismo. Alterações na via de sinalização da mTOR são comuns no cancro, pelo que esta proteína tem sido vista como um alvo terapêutico. Também a insulina ativa a mTOR, ação que favorece o aumento da síntese e o bloqueio da degradação de proteínas, contribuindo para o desenvolvimento da doença.

Assim, a insulinemia, como resultado do efeito da proteína, pode estar associada ao aumento da mortalidade por cancro colo-retal. No entanto, as associações positivas entre as pontuações insulínicas e a mortalidade persistem mesmo após o ajuste da ingestão proteica. Deste modo, a proteína, por si só, parece não desencadear os diferentes resultados entre as pontuações glicémicas e insulínicas.

Insulina e marcadores de cancro colo-retal

O cancro colo-retal pode ser dividido em subtipos definidos por marcadores tumorais, refletindo diversas combinações de alterações genéticas e epigenéticas nas células tumorais. Assim, o efeito de uma dieta promotora de hiperinsulinemia na sobrevivência em doentes com cancro colo-retal pode diferir entre os diferentes tipos, principalmente naqueles que envolvem marcadores que se relacionam com a insulina. No estudo em questão, os autores consideraram sete diferentes marcadores (mutações de KRAS, BRAF e PIK3CA e expressão de IRS1, IRS2, FASN e CTNNB1).

A relação positiva entre as pontuações insulínicas e a mortalidade por cancro colo-retal não variou de forma significativa entre os diferentes subtipos mas foi significantemente elevada nos doentes dos subtipos PIK3CA sem mutação e FASN-negativos.

Parece que o desenvolvimento de cancro colo-retal do subtipo FASN-negativo depende muito do excesso de ingestão calórica e da insulina para a progressão. Dada a ligação entre o Índice de Massa Corporal e o cancro colo-retal FASN-negativo, os doentes deste subtipo apresentaram maior probabilidade de se encontrarem numa situação de excesso de peso (65%) ou obesidade (55%), além de apresentarem picos de insulina mais pronunciados, após a ingestão de alimentos insulinogénicos.

Dado que a expressão do FASN é regulada por uma substância ativada pela mutação PIK3CA, os doentes com PIK3CA sem mutação serão FASN-negativos, pelo que a influência de dietas insulinogénicas na sobrevivência de doentes com cancro colo-retal foi elevada nestes dois sub-tipos.

Em conclusão, uma alimentação que contribua para uma grande elevação da insulina, após o diagnóstico de cancro colo-retal, pode contribuir para uma sobrevivência mais reduzida, por favorecer a recorrência e a metastização, especialmente quando o cancro colo-retal é negativo para mutações do PIK3CA e para a expressão da FASN.

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Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.