O meu mundo profissional é movido pela atenção ao outro.
Desde o momento, em que a campainha da porta toca, que o meu cérebro se tenta abstrair da tarefa anterior, para se focar na pessoa que vai subindo as escadas e nesse momento um flash dos últimos acontecimentos, vividos pela ou com essa pessoa, surgem. À medida que outros alunos chegam, a forma com que os recebo surge de modo repetido. Muitas vezes é interrompida pelas conversas que se vão gerando. Conversas que em segundos me fazem perceber o estado emocional do grupo ou da pessoa.
Esta maneira rotineira de receber os alunos torna-se impercetível ao nível da minha consciência, pela quantidade de vezes que é vivida, mas sempre surge um acontecimento que me coloca num estado de alerta para uma situação que deve ser resolvida em aula e, de preferência, nessa mesma aula.
Esta é uma história como tantas outras, com uma pequena diferença: a vontade inabalável de criar um estado emocional que permitisse ultrapassar o desconforto físico e psicológico de um pequeno acidente. A aluna que teve este acidente, tem uma força interior e uma determinação de não se dar por vencida, o que nos permitiu viver um momento único de cumplicidade e de pequenas vitórias, que ajudou a que emocionalmente e fisicamente o seu quotidiano melhorasse de forma evidente e para todos os que a rodeavam.
Um dia recebo uma sms, desta aluna dizendo que o dedo grande do pé (o metatarso) estava partido. Entre idas ao hospital, o diagnóstico feito e o uso de um sapato pós-cirúrgico no pé, perguntou-me se poderia fazer a aula online. Sugeri-lhe que, de acordo com a forma como se sentisse, deslocar-se até à Escola Vidya, eu poderia ajudar de uma forma muito mais eficaz do que através de um ecrã. Os sintomas eram: dor no pé, dor na zona lombar, sensação de corpo em desequilíbrio postural, enrijecimento muscular, desconforto físico geral e também mental.
Sem me avisar e para me fazer uma surpresa apareceu na aula de yoga. Fiquei muito feliz, pela força de vontade que demonstrou. Fomos fazendo pequenos movimentos e a coragem e a perda do medo foram-se instalando. Continuamos assim durante duas semanas e a satisfação de sentir o corpo solto, a mente empoderada pela atitude, eram maravilhosas de apreciar. Correr pequenos “riscos” porque se sentia segura, pedir para lhe tirar fotografias, para ficar com o registo e poder mostrar às amigas e à família.
Passaram-se duas semanas, foi ao médico e as melhoras e a recuperação eram evidentes. A recuperação era a esperada, atendendo à idade, perto dos 70 anos. A recuperação obtida nada tinha a ver com o yoga, embora a mobilização consciente tivesse tido um papel bem importante. Mas o mais importante foi a dimensão que o ato de coragem teve na sua vida. De temperamento alegre e descontraído, ferramentas essenciais para que tudo se passasse de forma harmoniosa e eficaz em termos físicos e emocionais.
Mais duas semanas e abandonou a cadeira, a marquesa e a parede que a tinham ajudado até ali, na prática de yoga. Hoje segue a sua vida normal, mas a sensação de conquista, de determinação, de coragem e de vontade de vencer a adversidade ficaram registadas e quando precisar destas ferramentas vai saber que as tem e que poderá de novo usá-las para seu benefício e daqueles que a rodeiam.
O importante é saber ultrapassar os limites que nos são colocados de forma inconsciente na mente. É na adversidade que se pode perceber a força interior que se tem. Esta é uma história feliz, de aprender a ultrapassar o medo, a insegurança e a incerteza. Espero que esta narrativa seja uma inspiração para todos os que a lerem.
O melhor, sempre se repete vezes sem conta, só precisamos estar atentos.