Malformações do ouvido externo: consequências no sistema auditivo

As malformações do ouvido externo – microtia, afetam o pavilhão auricular ou o canal auditivo externo ou ambos. Na sua maioria, são unilaterais.

Estas deformidades podem resultar em surdez, infeções ou problemas estéticos que afetam a autoestima do indivíduo. As malformações do ouvido externo relacionam-se com a orientação, posição, tamanho e relevo do pavilhão auricular e do canal auditivo externo.
As deformidades associadas ao pavilhão auricular podem ser diversas:
– existência de pequenos apêndices no lugar da orelha;
– orelhas anormalmente salientes (macrotia);
– formas irregulares da concha do pavilhão auricular, com pele e cartilagem excedente (fissuras ou lóbulos duplicados);
– orelhas volumosas e disformes (orelha em couve-flor).
– ausência de pavilhão auricular.

Relativamente ao canal auditivo externo, este pode ser muito estreito, fechado na sua parte medial, ou completamente ausente (atresia).
De acordo com a classificação de Hunter, existem quatro graus de microtia:
Grau I: pavilhão auricular menor, com canal auditivo externo pequeno. Sem existência de surdez.
Grau II: pavilhão auricular parcialmente desenvolvido, com canal auditivo externo muito estreito, resultando em surdez.
Grau III: ausência de pavilhão auricular, apresentando somente um pedaço de lóbulo em forma de amendoim. Nesta situação, verifica-se ausência do canal auditivo externo e do tímpano, o que está associado, naturalmente, a surdez. Esta é a forma mais comum de microtia.
Grau IV: ausência total do pavilhão auricular e do canal auditivo externo (anotia).

As malformações do ouvido externo podem ser congénitas ou adquiridas.
Entre as congénitas, cerca de 30% estão associadas a síndromes (Treacher-Collins, Goldenhar, Crouzon, Cri du Chat, Pierre Robin, Down, entre outras). As adquiridas são devidas a lesões durante a gravidez. Surgem na sequência de: infeções, sobretudo virais, como rubéola, citomegalovírus, herpes simplex, sarampo, poliomielite, varicela, entre outras; antibióticos ou quinino; deficiência de vitamina A durante a gravidez; agentes químicos; desnutrição; diabetes; hipoxia.

Para um diagnóstico eficaz é necessária uma avaliação audiológica e imagiológica (Tomografia computorizada de alta resolução e Ressonância).
Como se torna mais difícil testar estes bebés com técnicas audiométricas convencionais, o exame de potenciais evocados auditivos por condução óssea pode contribuir com informações mais valiosas clinicamente.
Geralmente, estas malformações são acompanhadas de função normal do ouvido interno.

A gravidade varia dependendo do facto de ser uni ou bilateral. Se for bilateral, dificulta seriamente o desenvolvimento da linguagem. Neste caso, a reabilitação precoce é essencial. Deve ser feita antes do amadurecimento completo da via auditiva central, (até cerca dos 2 anos de idade) para evitar prejuízos na audição direcional e na audição com ruídos. Como estas crianças não têm condições anatómicas para adaptação de próteses auditivas convencionais, recorre-se a próteses auditivas de condução óssea. Estas consistem num dispositivo comprimido contra a mastoide. Esta prótese transmite o som através do osso, isto é, por meio da condução óssea. As vibrações sonoras são enviadas diretamente ao ouvido interno, evitando a passagem pelo ouvido externo e médio.
Assim, a partir das primeiras semanas de vida, é possível inserir a prótese numa banda elástica apoiada ao redor da cabeça tipo bandolete (softband). O objetivo é garantir o desenvolvimento normal da linguagem. A partir dos 4 anos de idade já é possível fazer uma cirurgia para inserção da prótese (osteointegrada). É, ainda, muito útil o acompanhamento com terapia da fala.

Existem três abordagens cirúrgicas diferentes, em malformações do ouvido externo:
1) Cirurgia corretiva ou reconstrução do ouvido, com abertura do canal auditivo externo para permitir a passagem do som.
2) Reconstrução estética do pavilhão auricular – Otoplastia. Esta, só deverá ser feita por volta dos 8 a 10 anos de idade, restaurando a posição do ouvido em harmonia com o rosto.
3) Cirurgia para implante de prótese osteointegrada.

Em situações de malformações do ouvido externo, é muito importante ter a melhor abordagem em tempo útil. Sempre que possível, atuar no sentido de corrigir cirurgicamente o canal auditivo externo, para permitir a passagem normal do som. Nunca descurar a estimulação auditiva precoce. Se necessário, mais tarde, recorrer à otoplastia, visando a melhoria da autoestima.

Referência: Bartel-Friedrich S., Wulke C. Classification and diagnosis of ear malformations. GMS Current Topics in Otorhinolaryngology – Head and Neck Surgery 2007, Vol. 6, ISSN 1865-1011.
Créditos de imagem: https://media.springernature.com/original/springer-static/image/chp%3A10.1007%2F978-3-030-53099-0_36/MediaObjects/433360_1_En_36_Fig4_HTML.jpg

Fernanda Gentil é Audiologista na Clínica ORL Dr. Eurico Almeida e Coordenadora da Widex Centros Auditivos – Porto. Licenciada em matemática aplicada – ramo de ciência de computadores, pela FCUP. Professora Adjunta do curso de Audiologia, na ESS do Porto. PhD em Ciências de Engenharia pela FEUP. Investigadora e orientadora de teses de Mestrado e Doutoramento, na FEUP. Os seus principais interesses relacionam-se com a Audiologia e Reabilitação Auditiva, assim como simulações matemáticas de modelos computacionais do ouvido. Fernanda Gentil is Audiologist at the ORL Clinic Dr. Eurico Almeida and Coordinator of Widex-Porto. Degree in Applied Mathematics - Computer Science, FCUP. Audiology Professor at ESS, Porto. PhD in Engineering Sciences, FEUP. Researcher and advisor of Master's and PhD theses at FEUP. His main interests are related to Audiology and Auditory Rehabilitation, as well as mathematical simulations of computational models of the ear.