Espiritualidade do cuidador informal

A espiritualidade é uma experiência exclusivamente humana. Os acontecimentos de vida difíceis, talcomo o diagnóstico de cancro de uma pessoa próxima, ativam e influenciam a espiritualidade das pessoas. A investigação tem sugerido que a espiritualidade do cuidador informal pode beneficiá-lo. A diminuição do sofrimento, a sensação de paz e força para lidar com a doença são alguns dos efeitos positivos da espiritualidade do cuidador informal que são reportados pela literatura científica. Por outro lado, o desafio de cuidar pode trazer angústia espiritual.

A espiritualidade pode definir-se por três atributos: ligação, transcendência e significado na vida. A ligação inclui um sentido de relacionamento consigo mesmo, com os outros, com a natureza ou com o mundo e com um Poder Superior, Deus ou Ser Supremo. A transcendência engloba a capacidade de sair das circunstâncias presentes, de mudar a perspetiva numa situação ou na vida no geral. O significado na vida implica a sensação de ter propósito na existência.

É importante não confundir a espiritualidade com a religiosidade. Ambos os temas estão ligados, mas a espiritualidade engloba a religiosidade e transcende-a. A religiosidade é uma forma de experimentar a espiritualidade. Esta tende a implicar o seguimento de uma doutrina, de um sistema de crenças, e a adoção de comportamentos sociais partilhados por um grupo de pessoas.

Os cuidadores informais podem interpretar e lidar com a experiência de cuidar à luz da sua espiritualidade. A investigação sugere que os cuidadores informais que se identificam como espirituais exibem menores níveis de depressão e ansiedade. A crença numa ordem superior a si mesmos pode conceder-lhes uma sensação de força, de que não estão sós a apoiar a pessoa doente e dar-lhes maior esperança.  A situação do cuidar pode ser vivida como uma experiência significativa no seu percurso de vida, na qual têm oportunidade de valorizar e honrar a sua relação com a pessoa doente. Aqueles cuidadores informais que praticam a espiritualidade através de uma religião, sentem ainda que podem apoiar-se na comunidade para beneficiarem do seu suporte social.

A espiritualidade pode ser uma aliada em momentos de vida difíceis. No entanto, importa lembrar que a espiritualidade é uma vivência íntima e, como tal, os seus benefícios podem variar entre pessoas. Por vezes, devido aos desafios da doença e as suas implicações, a espiritualidade pode ter um efeito inverso no bem-estar do cuidador informal. As pessoas podem sentir angústia espiritual, ou seja, ter precisamente dificuldade em interpretar a situação sob a lente da sua espiritualidade. Este estado pode caracterizar-se por desespero, desesperança e culpa.

Reconhecer e respeitar a dimensão espiritual da vida das pessoas deve fazer parte da intervenção de quem acompanha a pessoa doente e o seu cuidador informal. As pessoas doentes e os cuidadores informais também podem expor as suas questões espirituais e explorar com os profissionais de saúde o acompanhamento disponível neste âmbito.

Referências: Benites, A. C., Rodin, G., Leite, A. C. A. B., Nascimento, L. C., & dos Santos, M. A. (2021). The experience of spirituality in family caregivers of adult and elderly cancer patients receiving palliative care: A meta-synthesis. European Journal of Cancer Care,30(4). https://doi.org/10.1111/ecc.13424; National Cancer Institute. (2021, junho, 11). Spirituality in Cancer Care (PDQ®)–Health Professional Version. https://www.cancer.gov/about-cancer/coping/day-to-day/faith-and-spirituality/spirituality-hp-pdq; Weathers, E., Mccarthy, G., & Coffey, A. (2016). Concept analysis of spirituality: An evolutionary approach. Nursing Forum, 51(2), 79–96. https://doi.org/10.1111/nuf.12128 Fotografia por Aamir Suhail no Unsplash

Carolina Blom é psicóloga (Nº OPP: 25152), mestre em Psicologia com especialização em Clínica e Saúde pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa. Atualmente é estudante de doutoramento na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde investiga sobre a qualidade de vida do cuidador informal da pessoa com doença oncológica. No seu percurso académico e profissional trabalhou com adultos maiores institucionalizados, estudantes do 1º ciclo, encarregados de educação, professores e auxiliares e crianças e jovens em risco. O seu interesse na prestação de cuidados às pessoas com doença oncológica despertou durante a experiência enquanto voluntária no acompanhamento de doentes e das suas famílias e, posteriormente, pela experiência pessoal enquanto cuidadora informal. Usa o novo acordo ortográfico. Carolina Blom is a psychologist (License Nr: 25152) and has a master’s degree in Psychology with a specialization in Clinical and Health from the Faculty of Education and Psychology of the Catholic University of Portugal. Currently, she is a PhD student at the Faculty of Psychology and Educational Sciences of the University of Porto, where she researches about the quality of life of the informal cancer caregiver. In her academic and professional path, she worked with older adults, primary school students, teachers, educators, and children and young people at risk. Her interest in cancer caregiving arose during her experience as a volunteer in the care of patients and their families and later through her personal experience as an informal caregiver.