Dietas e mais dietas e uma só doença, o cancro
Após o diagnóstico, é muito comum os doentes e os sobreviventes de cancro fazerem alterações na alimentação, as quais nem sempre vão ao encontro das recomendações cientificamente fundamentadas para a redução do risco de mortalidade pela doença. Estas orientações alimentares foram publicadas por algumas entidades de referência como a American Cancer Society, American Institute for Cancer Research/World Cancer Research Fund, entre outras, e vários estudos mostram que uma adesão às mesmas está associada a uma redução da mortalidade por cancro em 20% a 30%. Contudo, os doentes e sobreviventes de cancro parecem optar por dietas alternativas a estas recomendações.
De entre as dietas mais populares, encontram-se a alcalina, a paleo, a cetogénica, a vegan e a macrobiótica. Qual o efeito de cada uma na mortalidade e na qualidade de vida ? E quais são os risco
Dietas: A dieta alcalina
Os defensores deste tipo de alimentação baseiam-se no pressuposto de que a maioria dos cancros se deve a um ambiente ácido no organismo, afirmando que os alimentos capazes de contribuir para essa acidez são a principal causa. Neste grupo, encontra-se a carne vermelha, as aves, o peixe, os ovos, os laticínios, o trigo, o milho, o café, o açúcar e o álcool, os quais devem contribuir com um máximo de 20% para o total de calorias ingeridas.
Por outro lado, os restantes 80% devem ser fornecidos por vegetais (beterraba, bróculos, couve-flor, aipo, pepino, couve, alface, cebola, ervilhas, espinafres), alguns frutos (maçã, bananas, bagas, uvas, limão, laranjas, melão, pêssego e pêra) e alguns legumes.
Apenas dois estudos investigaram o papel da carga ácida alimentar no cancro, com base no pH da urina, dado que os defensores da dieta alcalina assumem que o pH sistémico pode ser refletido no pH daquele fluído orgânico.
Um desses estudos examinou a relação entre o risco de cancro da bexiga e o pH da urina em homens fumadores, verificando-se não ver associação com significado estatístico. Contudo, em homens com história de consumo de tabaco superior a 45 anos, esta associação já se verificou. Noutro estudo, o número de doentes era muito reduzido e não havia grupo de controlo, pelo que os resultados são difíceis de interpretar.
Deste modo, não existe qualquer evidência científica para as razões apresentadas pelos defensores da dieta alcalina.
Caso os doentes e os sobreviventes de cancro optem pela dieta alcalina, é importante que a suplementação com vitamina B12 seja considerada. Além disso, deve-se optar por alimentos ricos nesta vitamina, bem como em cálcio e zinco. Os alimentos enriquecidos em vitamina D devem ser uma opção. Deve ser, ainda, efetuada uma alimentação que integre alimentos ricos em ferro.
Dietas: a dieta vegan
A dieta vegan consiste na total abstinência de alimentos de origem animal: carne, peixe, ovos, laticínios e mel. É importante distingui-la das dietas baseadas em produtos de origem vegetal, que consistem principalmente, em frutos, vegetais, legumes, frutos secos e sementes e cereais, bem como em pequenas quantidades de ovos, laticínios, peixe e carne.
Numa meta-análise, a dieta vegan esteve associada a uma redução de 15% no risco de cancro, embora não fosse verificada associação com a mortalidade. Já no que diz respeito a dietas vegetarianas, a redução na incidência da doença foi de 8%. Deste modo, não é claro que evitar todos os produtos de origem animal seja necessário para obter os resultados positivos para a saúde de uma dieta vegan. Outro trabalho que incluiu 96 354 pessoas de ambos os géneros, os investigadores concluíram que aquelas que tinham uma alimentação baseada em produtos de origem vegetal conjugada com o consumo de alimentos oriundos do mar eram as que apresentavam menor risco de incidência de cancro colo-retal. No caso dos vegan, tinham um risco de incidência similar aos praticantes de uma alimentação vegetariana não estrita.
A dieta vegan vai ao encontro de muitas recomendações alimentares das sociedades científicas de referência na área da oncologia, embora possam ser pobres em cálcio e vitamina B12, comparativamente a dietas omnívoras, um aconselhamento nutricional apropriado pode prevenir qualquer défice.
Dietas: a dieta macrobiótica
A dieta macrobiótica é predominantemente vegetariana e valoriza os alimentos orgânicos e não processados. De um modo geral, é constituída por 40-60% de cereais integrais, 20-30% de vegetais e 5-10% de legumes. Fruta, peixe branco, sementes e frutos secos são consumidos de forma ocasional.
Um estudo efetuado nos Estados Unidos da América concluiu que a dieta macrobiótica apresenta uma menor percentagem de calorias oriunda da gordura, maior consumo de fibras e maiores quantidades da maioria dos micronutrientes que as referidas na Recommended Daily Allowance (RDA), à exceção das vitaminas D e B12 e do cálcio, os quais eram inferiores.
Embora não sejam encontrados estudos sobre o efeito da dieta macrobiótica em doentes oncológicos, este tipo de opção alimentar cumpre com as recomendações das sociedades científicas, relacionadas com o cancro. Esta observação é extensível à importância dada a um peso saudável e à prática regular de atividade física.
Dietas: a dieta Paleo
A dieta Paleo tenta replicar o padrão alimentar do Paleolítico, com fruta, vegetais, frutos secos, carne, peixe e ovos, excluindo os cereais, os legumes, os laticínios, o açúcar, o sal, o café, o álcool e todos os alimentos processados. Pelas suas características, com este tipo de opção alimentar pode haver risco de carência em vitamina D, cálcio e iodo.
A base para a propagação desta opção alimentar assenta no facto de que as doenças crónicas, como o cancro, aumentaram devido ao consumo de alimentos disponíveis apenas após a revolução agrícola, os quais os humanos não estão geneticamente “equipados” para digerir.
Os defensores da dieta Paleo assumem que os genes humanos não mudaram de forma significativa, desde o final do Paleolítico, há cerca de 10 000 anos. Além disso, referem que, no presente, existe já uma compreensão da alimentação pré-histórica, sendo os alimentos dessa época equivalentes aos disponíveis atualmente.
Contudo, estes argumentos não são suportados pela evidência antropológica, a qual refere que, no Paleolítico não existia uma única dieta. Por exemplo, os cereais são processados e consumidos na Europa há mais de 40 000 anos. Além disso, os seres humanos evoluíram para ingerir alimentos predominantes no ambiente em que vivem. Outro dado é que os alimentos disponíveis atualmente sofreram alterações consideráveis, em virtude das práticas agrícolas, pelo que diferem dos disponíveis no passado.
No que diz respeito a este tipo de opção alimentar, os estudos são muito limitados, embora se verifique que tem características comuns com dietas saudáveis para doentes e sobreviventes oncológicos, recomendadas por sociedades científicas. Contudo, a adesão estrita à dieta Paleo pode levar à eliminação de grupos de alimentos cujos benefícios para a prevenção do cancro já foram comprovados cientificamente.
Em comum, a dieta Paleo dá ênfase à fruta, vegetais, frutos secos e sementes, restringindo os hidratos de carbono refinados, as carnes processadas e o álcool. Contudo, afasta-se das recomendações comprovadas pelas organizações científicas pela elevada ingestão em gordura saturada e pelo baixo consumo de legumes e cereais, uma combinação associada a um prejuízo da sobrevivência no cancro colo-retal.
Dietas: a dieta cetogénica
As dietas cetogénicas são ricas em gordura, baixas em hidratos de carbono e adequadas em proteína, num rácio de 3-4:1 de gordura para os restantes.
Esta distribuição obriga o organismo a metabolizar a gordura, em vez dos hidratos de carbono ou da proteína, fazendo com que a principal fonte de energia deixe de ser a glicose e passem a ser as cetonas. Dado que as células cancerígenas utilizam a glicólise como via para obtenção de energia, mesmo na presença de oxigénio, os defensores da dieta cetogénica referem que o crescimento dessas células vai ser dificultado pela redução de glicose disponível. Contudo, existem estudos que referem que algumas células tumorais são capazes de usar as cetonas para obtenção de energia.
Mais recentemente, a investigação sugere que a influência das cetonas no crescimento do cancro pode resultar no stresse oxidativo das células cancerígenas, potenciando o efeito da quimio e da radioterapia. Para além disso, a dieta cetogénica parece ter uma espécie de efeito poupador de proteínas, permitindo a preservação de massa magra, em situações de caquexia.
Os estudos sobre a influência da dieta cetogénica em doentes oncológicos são escassos e de pouco impacto. Estes sugerem que esta opção alimentar é segura, não tendo impacto negativo na qualidade de vida.
Contudo, são difíceis de implementar na prática sem um acompanhamento profissional, pelo que muitos doentes não atingem os níveis desejados de cetonas na urina. Além disso, podem levar a um défice de micronutrientes, podem ser ricas em gordura saturada, são pobres em fibra, podem incluir alimentos processados e podem excluir grupos alimentares, como fruta, legumes e muitos vegetais, os quais são importantes para a prevenção do cancro e para a redução da mortalidade pela doença.
Concluindo, além das orientações alimentares cientificamente comprovadas e recomendadas por sociedades de intervenção em oncologia, não existe evidência de que algum elemento específico de uma dada dieta possa contribuir para uma maior sobrevivência. Além disso, os estudos consistentes acerca do efeito das mesmas na mortalidade e qualidade de vida são escassos. Assim, é importante ter em conta os riscos e os benefícios de cada uma, respeitando as questões culturais e/ou filosóficas que estão na base da opção alimentar de alguns doentes.