Nos últimos anos, têm surgido vários estudos que sugerem que a dieta cetógenica pode trazer potenciais benefícios no cancro. A dieta cetogénica é caracterizada pela ingestão de uma elevada quantidade de gorduras, uma quantidade baixa ou moderada de proteínas e muito baixa quantidade de hidratos de carbono.
A resposta fisiológica dada pelo aumento do metabolismo das gorduras e o metabolismo limitado dos hidratos de carbono associado a este tipo de alimentação induz um estado de cetose, com aumento da produção de corpos cetónicos, diminuição dos níveis de glicose e de insulina no sangue e manutenção do pH sanguíneo.
Dieta cetogénica: porquê o interesse em oncologia?
Na base da hipótese de prescrição da dieta cetogénica em doentes oncológicos está o facto de, independentemente da disponibilidade de oxigénio e da capacidade de o processarem, a maioria das células cancerígenas captar e converter a glicose em lactato, em vez de originar dióxido de carbono. Dado ser uma forma ineficiente para obter energia, as células usam uma estratégia compensatória, aumentando a quantidade de glicose captada que lhes permita obter mais energia e, desta forma, propagarem. Em teoria e considerando a dependência deste hidrato de carbono por parte das células cancerígenas, se se reduzir a disponibilidade do mesmo, evitar-se-á o desenvolvimento da doença. Assim e dado que a dieta cetogénica força o organismo a usar a gordura e não a glicose para obter energia, existe interesse em investigar a influência deste tipo de alimentação em oncologia.
Dieta cetogénica e cancro: o que diz a ciência?
A maioria dos trabalhos realizados foi desenvolvida com células e com animais. Todavia, um trabalho de revisão recente analisou os resultados de estudos em humanos (14), de modo a avaliar os efeitos da dieta cetogénica em doentes oncológicos.
De facto, verificou-se que os resultados podem ser promissores mas, também, que são inconsistentes. Os autores concluíram que a evidência é pouca e limitada para que sejam definidas conclusões claras e orientadoras devidamente fundamentadas pela ciência. O número de estudos existentes é reduzido e existem diferenças substanciais entre eles para que possam ser comparados. Essas diferenças assentam nas metodologias usadas; tempo de intervenção, tamanho da amostra e características da mesma, falta de grupo de controlo, composição da dieta, acesso da alimentação/nutrição, tipo de cancro, estadio, tratamento e técnicas usadas para avaliar os resultados.
Apenas dois estudos publicados entre 1988 e 2016 acerca da dieta cetogénica no tratamento do doente com cancro avaliaram a composição corporal dos participantes, os quais revelaram um aumento da massa magra com este tipo de alimentação. Apesar das limitações metodológicas desses trabalhos, esta conclusão deverá ser explorada, pois uma quantidade de massa magra elevada está associada a uma melhor resposta aos tratamentos, a uma melhor condição física, a uma melhor qualidade de vida e a uma maior sobrevivência.
Dieta cetogénica: quais os efeitos secundários?
A distribuição percentual de macronutrientes da dieta cetogénica pode causar efeitos secundários a curto prazo, como desconforto gastrintestinal (ex: obstipação), letargia e hipoglicemia. Quando ocorrem, é na fase de transição da alimentação. Podem durar entre 1 a 3 semanas, enquanto o organismo se adapta a um teor mais elevado de lípidos e mais baixo de hidratos de carbono na dieta.
Contudo, também podem surgir efeitos a longo prazo, como prejuízo do nível das gorduras no sangue, em populações suscetíveis, litíase renal e danos nos rins. O risco destes efeitos poderá ser minimizado, se o doente apenas ingerir este tipo de dieta durante a fase de tratamento.
Os benefícios (por enquanto, ainda prováveis) e os efeitos secundários devem ser ponderados, de modo a avaliar se a eventual ação terapêutica da dieta cetogénica justifica os possíveis efeitos secundários.
Dieta cetogénica: o que é importante esclarecer?
É fundamental que a investigação considere a interação desta dieta com o mecanismo de ação dos fármacos usados em quimioterapia, de modo a que possa ser avaliada a compatibilidade, antes de ser efetuada a prescrição deste tipo de alimentação.
Quanto ao contributo das proteínas na dieta cetogénica, é importante que seja mais estudado. Primeiro, porque existe uma grande variabilidade na composição corporal (quantidade de massas magra e gorda), em doentes oncológicos, o que se torna um fator influenciador. Segundo, pois importa considerar que as alterações no metabolismo provocadas pela dieta cetogénica podem influenciar as necessidades de proteína de cada indivíduo, pois os aminoácidos (constituintes básicos das proteínas) podem originar glicose no organismo, através do Ciclo de Krebs.
É, ainda, fundamental que seja estudada a influência da dieta em questão no estado nutricional, no prognóstico da doença e na saúde dos doentes em geral. A carência de conclusões devidamente sustentadas acerca dos mecanismos de ação deste tipo de alimentação, os tipos de cancro em que existe efeito, o tempo de intervenção necessário são outras questões que carecem resposta.
Dieta cetogénica: implementação e seguimento
Se a dieta cetogénica trouxer benefícios sustentados pela ciência para o tratamento do doente oncológico, deverá ser devidamente implementada e supervisionada por um nutricionista. Atualmente e devido à inconsistência dos estudos realizados e à ausência de tantas respostas, ainda não existem orientações para a aplicação deste tipo de dieta no cancro.
Antes da implementação desta dieta, deverão ser tidos em conta os resultados de análises ao sangue e à urina relativos a alterações do metabolismo dos ácidos gordos e acidúrias orgânicas, uma vez que a gordura será a principal fonte de energia. Além disso, devem ser avaliadas outras condições como: litíase renal, dislipidemias, doenças hepáticas, atraso do crescimento, refluxo gastroesofágico, défice de ingestão alimentar, obstipação, cardiomiopatia e acidose metabólica crónica. Também deverá ser efetuada uma avaliação do estado nutricional completa.
Devido à complexidade da dieta cetogénica e à potencial baixa palatabilidade da mesma, a adesão do doente depende do seu compromisso, motivação e acompanhamento durante a implementação e no decurso da mesma. A monitorização da adesão do doente é de extrema de importância, pois será determinante para se alcançar e manter um estado de cetose. Como marcadores para avaliar as alterações metabólicas desejadas, deverão ser doseadas a glicemia e os corpos cetónicos na urina e no sangue. Outros parâmetros sanguíneos (níveis séricos de eletrólitos, creatinina e testes de função hepática) poderão, também, ser usados, para determinar os efeitos hepáticos e renais da dieta.
Considerando que a dieta cetogénica inclui quantidades limitadas de fruta, vegetais, cereais e alimentos ricos em cálcio, a ingestão de micronutrientes e de fibra fica abaixo das recomendações. Embora a American Cancer Society recomende, no mínimo, 2,5 chávenas de vegetais e fruta por dia para sobreviventes de cancro, as necessidades poderão ser atingidas, pelo menos a curto prazo, através da suplementação, como recomendado pelo International Ketogenic Diet Study Group.
Em conclusão, atualmente, não existe evidência científica suficiente relativa ao efeito da dieta cetogénica no tratamento do cancro. São necessários mais estudos que respondam às questões que ainda se colocam e que ainda não permitem a implementação, devidamente fundamentada, da dieta cetogénica em doentes oncológicos.
[fonte] Referências: Oliveira CLP et al. A nutritional perspective of ketogenic diet in cancer: a narrative review. J Acad Nutr Diet. 2018; 118(4): 668-88; Allen BG et al. Ketogenic diets as na adjuvant cancer therapy: History and potential mechanism. Redox Biol. 2014;2C:963-970; Breitkreutz R et al. Effects of a high-fat diet on body composition in cancer patients receiving chemotherapy: A randomized controlled study. Wien Klin Wochenschr. 2005;117(19-20):685-692; Klement RJ & Sweeney RA. Impact of a ketogenic diet intervention during radiotherapy on body composition: I. Initial clinical experience with six prospectively studied patients. BMC Res Notes. 2016; 9:143; Prado CM et al. Sarcopenia and cachexia in the era of obesity: Clinical and nutritional impact. Proc Nutr Soc. 2016;75(2):188-198; Rock CL al. Nutrition and physical activity guidelines for cancer survivors. CA Cancer J Clin. 2012;62(4):243-274; Kossoff EH et al. Optimal clinical management of children receiving the ketogenic diet: Recommendations of the International Ketogenic Diet Study Group. Epilepsia. 2009;50(2):304-317. Fontes de imagens: https://www.indice.eu/pt/noticias/saude/2018/07/06/dieta-cetogenica-pode-impulsionar-terapia-dirigida-contra-cancro ; https://www.bancodasaude.com/noticias/afinal-o-que-e-o-cancro/ [/fonte]