Influência da ingestão de cálcio na formação de metástases ósseas

A maior parte das doentes com cancro da mama avançado desenvolve metástases ósseas, manifestando dor crónica, níveis sanguíneos de cálcio elevados, fraturas e compressão da medula espinal e das raízes dos nervos, com grandes implicações na qualidade de vida. Além disso, células de cancro da mama micrometastáticas são encontradas em até 80% das doentes que morrem da doença. Na altura do diagnóstico, cerca de 30% das doentes já apresentam estas células, as quais podem permanecer “adormecidas” nos ossos durante anos mas, quando ativadas, levam à destruição óssea.

A formação de metástases ósseas parece ocorrer em locais onde o fornecimento vascular é maior, coincidindo com os locais onde as taxas de turnover ósseo são elevadas. Ora, esta taxa parece ser um importante fator na formação e crescimento de metástases ósseas no cancro da mama.

A quantidade de massa óssea presente no esqueleto resulta da formação e da reabsorção, e é a esta reversão/remodelação que se dá o nome de turnover. Este está diretamente relacionado com a necessidade corporal de manter um nível adequado de cálcio nos fluídos orgânicos, bem como com a necessidade de manter a integridade do esqueleto. Assim, o turnover permite fornecer ou retirar cálcio da circulação, sendo muito sensível à disponibilidade deste mineral.

metastases osseas e calcioA influência do cálcio

O cálcio da dieta tem influência no risco de cancro e na sua progressão. Alguns mas não todos os estudos epidemiológicos relacionaram uma baixa ingestão de cálcio a um risco aumentado de cancro da mama. Poucos estudos investigaram o impacto do cálcio da dieta na progressão do cancro da mama. Contudo, uma baixa ingestão de cálcio parece acelerar o crescimento tumoral no osso, neste tipo de cancro e em estudos realizados com ratos. Da mesma forma, a baixa ingestão no mineral contribuiu, também, para uma maior formação de osso. Assim, uma dieta pobre em cálcio parece estar relacionada com um maior turnover ósseo.

A importância da taxa de turnover ósseo no crescimento tumoral e nas metástases ainda não foi bem explicada. Alguns estudos mostraram que um aumento desse turnover  induzido pela remoção dos ovários está associado a um aumento da destruição óssea por metástases ósseas de cancro da mama, em modelos animais. O estado de redução de estrogénios, devido a essa remoção, não parece ter um papel direto na destruição óssea mediada pelo tumor, já que as células usadas para a indução do cancro eram negativas ao recetor de estrogénio.

Uma ingestão insuficiente de cálcio é bem reconhecida como causa de turnover ósseo aumentado e perda de osso. Num trabalho publicado no mês passado, os autores verificaram que, no caso dos ratos alimentados com uma dieta pobre em cálcio, houve um aumento do turnover ósseo e perda de osso esponjoso. Além disso, verificou-se uma maior infiltração de células cancerígenas nos músculos adjacentes.

É importante referir que uma ingestão insuficiente de cálcio e/ou um prejuízo na absorção deste mineral é/são frequente(s) após a menopausa, resultando num aumento dos níveis de hormona paratiróide. Em roedores, níveis elevados desta hormona parecem aumentar a lisil oxidase, enzima responsável pela progressão do cancro, nomeadamente pela formação de metástases.

Assim, um aumento do turnover ósseo induzido por uma dieta pobre em cálcio parece estar associada a um aumento da carga tumoral óssea, em modelos animais. Além disso, um défice na ingestão de cálcio parece resultar num aumento da osteólise, da formação de tecido ósseo e da infiltração nos músculos adjacentes. Estas conclusões resultam num favorecimento do crescimento tumoral e, logo, da progressão do cancro da mama.

Referências: Braun S et al. A pooled analysis of bone marrow micrometastasis in breast cancer. N Engl J Med. 2005;353(8):793–802; Mundy GR. Mechanisms of bone metastasis. Cancer. 1997;80(8 Suppl):1546–56; Reid IR et al. Effect of calcium supplementation on bone loss in postmenopausal women. N Engl J Med. 1993;328(7):460–4; Rock CL. Milk and the risk and progression of cancer. Nestle Nutr Workshop Ser Pediatr Program. 2011;67:173–85. Tester AM et al. MMP-9 secretion and MMP-2 activation distinguish invasive and metastatic sublines of a mouse mammary carcinoma system showing epithelial-mesenchymal transition traits. Clin Exp Metastasis. 2000;18(7):553–60; Zheng Y et al. Accelerated bone resorption, due to dietary calcium deficiency, promotes breast cancer tumor growth in bone. Cancer Res. 2007;67(19):9542–8; Wang W et al. Effects of letrozole on breast cancer micro-metastatic tumor growth in bone and lung in mice inoculated with murine 4T1 cells. Clin Exp Metastasis. 2016;33(5):475–85; Wang P et al. Low calcium diet increases 4T1 mammary tumor carcinoma cell burden and bone pathology in mice. PLoS One. 2017; 12(7):e0180886. Fontes de imagens: http://rle.dainf.ct.utfpr.edu.br/hipermidia/index.php/mama/tecnologia-e-funcionamento-dos-equipamentosmama/equipamento-mamografico1/desenvolvimento-dos-equipamentos-mamograficos/253-radiologia-convencional/regioes-anatomicas/musculoesqueletico/sistema-musculoesqueletico; http://nutricaounijui.blogspot.pt/2012/05/calcio.html

Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.