Sardinhas ou barriguinhas? Em qualquer churrasco há clientes para as duas. No entanto, uma grande parte dos amantes dos grelhados, sem pensar muito e com a devida exceção da época dos Santos populares, não vai resistir às barriguinhas.
Mesmo gostando muito de sardinhas assadas, as pessoas arranjam desculpas e optam pela carne gorda. Pensam em silêncio: as sardinhas têm muitas espinhas, fica um cheiro intenso nas mãos depois de comidas (e que sai quando lavadas com sabão azul), fica um cheiro penetrante na roupa, nos cabelos ou na casa toda! Não pensam: as barriguinhas têm mais gordura que proteínas, esta gordura é saturada e, mesmo grelhadas, têm um impacto negativo na saúde cardiovascular. Na verdade, todas as desculpas possíveis para evitar comer sardinhas desaparecem com um duche refrescante, apropriado para a época de verão. E, estando em casa, abrem-se as janelas e lá se vai o cheiro da sardinhada.
Com este “discurso”, já sabe onde quero chegar.
Eu sei que gostaria que a minha resposta fosse: barriguinhas! Mas, ter a capacidade de tomar melhores decisões, quando escolhe o que come, e ter a consciência da importância que isso pode ter na sua saúde e na prevenção das doenças crónicas mais comuns é um objetivo maior e melhor.
Sardinhas ou barriguinhas? A sardinha ganha os pontos todos
As duas opções grelhadas originam resultados opostos quanto à qualidade nutricional e respetivos benefícios. A sardinha ganha os pontos todos! Vamos então comparar sardinhas com barriguinhas e avaliar as diferenças.
Uma vez que a noção de quantidade é extremamente relativa de indivíduo para indivíduo e que quase ninguém tem noção sobre quanto pesa uma sardinha ou uma fatia de carne da barriga do porco, primeiro há que definir o peso aproximado de cada uma. Uma sardinha pesa, em média, 50 gramas; uma fatia da barriga é cortada para pesar aproximadamente 100 gramas e serem acondicionadas nas cuvetes vendidas nas grandes superfícies comerciais. Posto isto, em termos práticos, duas sardinhas equivalem a uma barriguinha.
A diferença imediata verifica-se no conteúdo calórico das duas, devido à enorme distinção dos seus perfis nutricionais. Quando come duas sardinhas pode registar 208 calorias; a barriguinha ultrapassa-as largamente com 518 calorias. A superioridade da sardinha deve-se aos valores baixos em gordura, comparativamente à carne da barriga de porco (11.5 g e 53.0 g respetivamente) e também por disponibilizar mais proteína (24,6 g contra 9,3 da barriguinha).
Sardinhas ou barriguinhas? Procure as gorduras benéficas
A comparação seguinte faz-se ao nível dos tipos de gordura existentes. A sardinha é rica em gorduras benéficas, conhecidas por ácidos gordos da série ómega-3 (total de 5,1 g em 100 g), com concentrações excelentes de ácido docosahexanóico (DHA), ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido alfa-linolénico (ALA). Já na carne de porco da barriga estes ácidos estão ausentes, sendo que a gordura é sobretudo do tipo saturada, que atinge um valor alto de 19.3 g por 100 g.
O consumo frequente e elevado de gorduras saturadas está associada ao risco real e aumentado de doenças do foro cardiovascular. As recomendações, apoiadas por décadas de pesquisa, realçam a necessidade de substituir as gorduras saturadas típicas das carnes vermelhas gordas por gorduras da série ómega-3 abundantes nas sardinhas. Como no perfil lipídico da sardinha abundam os óleos DHA, EPA e ALA, o seu consumo frequente pode contribuir para reduzir o risco de cancro do cólon, próstata e mama, por diferentes mecanismos de modulação. Conjuntamente, estes óleos ómega-3 evidenciam capacidade de exercerem efeitos imunosupressores e cardioprotetores.
Para apoiar a preferência sobre as sardinhas, em vez das barriguinhas falta avaliar o perfil de vitaminas e minerais de cada uma. As vitaminas e os minerais são peças fundamentais da manutenção e equilíbrio celular da fisiologia humana.
Sardinhas ou barriguinhas? As diferenças em vitaminas e minerais
Nas sardinhas encontram-se quantidade avultadas de vitamina B12 e de vitamina D (8,9 mcg e 272 UI por 100 g). As barriguinhas apresentam vestígios da B12 com apenas 0,8 mcg e a vitamina D é inexistente.
Selénio, fósforo e cálcio formam o trio mineral poderoso presente nas sardinhas, atingindo quantidades que contribuem significativamente para as necessidades diárias destes nutrientes. O selénio com 52,7 mcg corresponde a 75% das recomendações diárias, o fósforo com 490 mg chega aos 48% da dose diária recomendada e o cálcio chega aos 382 mg, o que equivale a 38% das necessidades diárias. As barriguinhas são pobres nos três minerais (selénio: 8,0 mcg – 11%, fósforo: 108 mg -11%, cálcio: 5,0 mg- 1% das doses diárias recomendadas).
O selénio é um dos constituintes de 4 enzimas chave, as glutationa-peroxidases selénio-dependentes (GSHPx), componentes do mecanismo de defesa do stress oxidativo, mecanismo este tão importante na prevenção do cancro e nas doenças cardiovasculares.
O fósforo é necessário para uma variedade de processos bioquímicos, incluindo a regulação do pH e a produção de energia.
O cálcio, além do seu papel primário na formação do esqueleto e dos dentes, está envolvido na contração vascular e vasodilatação, na contração muscular, na transmissão neural e secreção glandular.
Num churrasco, quando o anfitrião é nutricionista como eu, pondera todos estes aspetos. É por isso que, lá em casa, nas brasas se assam sardinhas, não barriguinhas! Quando muito para variar, disponibilizo algumas febras do lombo para os que torcem o nariz às sardinhas, mas sempre depois de comerem uma ou duas unidades de peixe, como ditam as regras dos banquetes.
No próximo churrasco que organizar em sua casa, pense no que ganha preferindo sardinhas e no que perde a comer barriguinhas.
[fonte]Referências: Hruby, A., & Hu, F. B. (2016). Saturated fat and heart disease: The latest evidence. Lipid Technology, 28(1), 7-12.; Berquin, I. M., Edwards, I. J., & Chen, Y. Q. (2008).; Multi-targeted therapy of cancer by omega-3 fatty acids. Cancer letters, 269(2), 363-377.; Farooqui, A. A., Ong, W. Y., Horrocks, L. A., Chen, P., & Farooqui, T. (2007). Comparison of biochemical effects of statins and fish oil in brain: the battle of the titans. Brain research reviews, 56(2), 443-471.; United States Department of Agriculture. Agricultural Research Service. National Nutrient Database for Standard Reference Release 28; Boosalis, M. G. (2008). The role of selenium in chronic disease. Nutrition in Clinical Practice, 23(2), 152-160.; Otten, J. J., Hellwig, J. P., & Meyers, L. D. (Eds.). (2006). Dietary reference intakes: the essential guide to nutrient requirements. National Academies Press. [/fonte]