O microbioma e a sua influência no tratamento do cancro

O microbioma humano é o conjunto de bactérias e outros microrganismos que habitam o corpo do Homem, desde o aparelho gastrintestinal, ao respiratório, à pele e ao aparelho genitourinário. A sua ação é vasta. Desde o local onde vivem a outras regiões do corpo humano, influenciam as funções cognitivas, neurológicas e do metabolismo, a imunidade, a inflamação e a hematopoiese. Além disso e no que respeita especificamente à flora intestinal, regula a formação de cancro, o seu desenvolvimento e a resposta aos tratamentos.

A composição da flora intestinal é determinada pelas características genéticas do indivíduo, pela colonização no momento do nascimento, pelo tipo de parto, pelo estilo de vida, pela incidência de doenças e pelo consumo de antibióticos.

Vários estudos mostram que animais de laboratório geneticamente modificados para adquirirem características que favorecem o aparecimento de cancro acabam por ter essas propriedades alteradas, novamente, para o tipo “selvagem”, após de transplante fecal. Também, nos estudos em que foi efetuado o mesmo tipo de transferência de microbioma mas de doentes que responderam favoravelmente aos tratamentos oncológicos, para animais de laboratório sem flora intestinal, mostram que esses animais responderam favoravelmente à terapêutica. Assim, parece que a genética e o estilo de vida do hospedeiro podem afetar indiretamente o aparecimento e o desenvolvimento de cancro e a resposta aos tratamentos, através da modificação da composição do microbioma.

Microbioma e quimioterapia

A flora intestinal influencia o processo pelo qual o fármaco da quimioterapia é distribuído no organismo, a atividade anticancerígena do mesmo e os efeitos adversos (toxicidade) causados.

A absorção e a biodisponibilidade de muitos fármacos orais dependem da exposição às bactérias intestinais e aos compostos por elas produzidos. As substâncias químicas que não são naturalmente produzidas pelo organismo, como os fármacos, provocam alterações na composição, na fisiologia e na expressão genética da flora intestinal, alterando a sua ação no metabolismo e na absorção do medicamento.

Por outro lado, aqueles que não são administrados por via oral também podem ter o seu metabolismo influenciado pela flora intestinal. Esta exerce a sua influência através da alteração da expressão genética no fígado, onde se dá a metabolização dos fármacos, antes da excreção biliar para o intestino. Aí são expostos à flora intestinal, podendo ser metabolizados pelas bactérias e reabsorvidos.

Face ao exposto, é hoje aceite que a composição da flora intestinal e a atividade da mesma pode alterar a eficácia dos fármacos usados em quimioterapia, podendo a mesma ser aumentada ou diminuída.

Quanto à toxicidade, o uso de probióticos em ensaios clínicos tem mostrado uma redução da diarreia induzida por alguns citotóxicos. Além disso, o seu uso, de forma isolada ou juntamente com uma dieta suplementada, parece aumentar o peso corporal em doentes e ratos com caquexia.

Microbioma e radioterapia

As alterações na composição no microbioma de doentes e animais de laboratório tratados com radioterapia têm sido referidas por contribuírem para o aparecimento de vários efeitos adversos do tratamento, tais como: mucosite oral, diarreia, enterite, colite e alterações na medula óssea.

Os probióticos têm mostrado serem benéficos na prevenção da enteropatia induzida pela radioterapia. Preparações contendo L. acidophilus, B. bifidum, Lactobacillus casei e, particularmente, a fórmula VSL#3 (Bifidobacterium, Lactobacillus and Streptococcus spp.) parecem proteger contra a toxicidade intestinal à radiação pélvica, reduzindo significativamente a diarreia. A administração de comprimidos orodispersíveis de Lactobacillus brevis CD2 durante a radio e a quimioterapia em doentes com cancro da cabeça e pescoço também parece diminuir a incidência de mucosite e aumentar a tolerância aos tratamentos.

Alguns dados científicos têm mostrado que as diferenças na sensibilidade dos doentes à radioterapia possam estar ligadas à variação circadiana da composição do microbioma.

Os resultados disponíveis no momento, sugerem que a composição da flora intestinal modela a resposta à radioterapia e a reparação dos danos induzidos por este tratamento, além da influência que podem ter na quimioterapia, como já referido. No entanto, mais estudos são necessários para que rapidamente sejam delineadas estratégias específicas de intervenção para um melhor prognóstico e qualidade de vida do doente oncológico.

Referências: Roy S, Trinchieri G. Microbiota: a key orchestrator of cancer therapy. Nat Rev Cancer. 2017 Mar 17. doi: 10.1038/nrc.2017.13. [Epub ahead of print]. Fontes de imagens: http://www.nuritas.com/tracking-growth-gut-microbiota-health/; http://www.bbc.co.uk/programmes/b03h429g

Dina Raquel João é Nutricionista e Mestre em Nutrição Clínica, membro efetivo da Ordem dos Nutricionistas (nº 0204N), com o Título de Especialista para a área de Terapia a Reabilitação da Classificação Nacional de Áreas de Educação e Formação, subárea da Nutrição, tendo desenvolvido a sua atividade profissional principalmente na prática clínica, na docência e formação e na investigação. Como Nutricionista, iniciou atividade clínica em 2001, tendo exercido a nível hospitalar, em centro de saúde e em clínica privada. A experiência profissional na área da investigação decorreu, essencialmente, na área oncológica, tendo sido premiada nesse campo (1º Prémio de Nutrição Clínica da Fresenius Kabi, em 2002). Conta com diversas comunicações científicas orais e em painel, tanto em eventos nacionais como internacionais. Atualmente, é Professora Adjunta Convidada na Universidade do Algarve – Escola Superior de Saúde, lecionando à licenciatura em Dietética e Nutrição.