Fármacos para o tratamento oncológico: um longo caminho para a terapia eficaz

O desenvolvimento de fármacos para o tratamento oncológico, tal como para outras patologias, é um processo complexo e moroso que envolve princípios da investigação básica e clínica.

A investigação tem vindo a contribuir largamente para o conhecimento das causas e dos tratamentos para o cancro. Tem também, indubitavelmente, contribuído para a definição do cancro não como uma doença, mas como um conjunto de doenças caracterizadas pela divisão celular descontrolada e possuidoras de um perfil individual. Na verdade, é este perfil que determina em parte o facto de existirem terapias eficazes para alguns tipos de cancro e não para outros.

As células tumorais de diferentes tipos de cancro comportam-se de forma diferente e são possuidoras de mecanismos reguladores próprios. E são estes mecanismos próprios, que quando inibidos ou estimulados, podem resultar numa terapêutica eficaz alcançada através de fármacos desenvolvidos propositadamente para o tratamento oncológico.

Após a descoberta de um mecanismo celular num determinado tipo de cancro, inicia-se a fase de descoberta do fármaco, também conhecida por fase pré-clínica. Nesta fase, os investigadores procuram identificar ou sintetizar moléculas capazes de interagir com o mecanismo celular descoberto, ou alvo biológico, procurando assim inibi-lo ou estimulá-lo, de forma a garantir a inibição do crescimento e proliferação das células cancerígenas.

Posteriormente, os investigadores recorrem a inúmeras técnicas laboratoriais e modelos experimentais, que incluem os testes in vitro (células cancerígenas mantidas num ambiente controlado), para verificar se o fármaco em estudo tem potencial anti-cancerígeno.

Após a validação in vitro do fármaco, são realizados estudos in vivo, utilizando para tal modelos animais. Os modelos animais mais vulgarmente utilizados são os ratos e os ratinhos, mas o tipo de animal pode variar conforme o objetivo da experiência a realizar. Nesta fase, é importante estudar a farmacocinética (“percurso” do fármaco no organismo) e a farmacodinâmica, o efeito fisiológico do fármaco no organismo. Pretende-se assim, através dos estudos in vitro e in vivo, conhecer o efeito anti-cancerígeno do fármaco em desenvolvimento, bem como as suas as propriedades e efeitos adversos.

Os ensaios clínicos podem ser divididos em quatro fases

Por fim, após a obtenção de resultados na fase pré-clínica, são realizado ensaios clínicos em humanos, devidamente selecionados. Os ensaios clínicos podem por sua vez ser divididos em quatro fases. Durante a primeira fase, o fármaco é administrado a seres humanos com o objetivo de avaliar a segurança e a tolerância, bem como a posologia e forma de administração do fármaco. Na segunda fase, pretende-se estudar a eficiência terapêutica, intervalo de dose, cinética, metabolismo, segurança, efeitos secundários e potenciais riscos do fármaco. Na terceira fase, pretende-se registar os mesmos parâmetros mas em populações maiores. Por último, após o registo do medicamento e pedido de autorização para comercialização, inicia-se a quarta fase. Esta fase, também conhecida por fase de pós comercialização, pode envolver milhares de indivíduos e pode durar vários anos.

O processo de desenvolvimento de um medicamento é complexo, muito longo e tem elevado custo. Para além disto, vale a pena referir que uma grande percentagem de moléculas identificadas ou sintetizadas não chegam sequer à fase clínica. É, no entanto, a curiosidade e a vontade de procurar terapêuticas eficazes que estimulam os investigadores a procurar novos alvos biológicos e novas moléculas modeladoras do complexo comportamento tumoral.

Referências: Begley CG, Ellis LM. Drug development: raise standards for preclinical cancer research. Nature. 2012;483(7391):531–3.; DiMasi JA, Hansen RW, Grabowski HG. The price of innovation: new estimates of drug development costs. J Health Econ. 2003;22(2):151–85.

 

Ana Catarina Mamede, natural de Peniche, é Doutorada em Biomedicina pela Universidade da Beira Interior. É membro da equipa de investigação da Unidade de Biofísica e do Centro de Investigação em Meio Ambiente, Genética e Oncobiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Autora de vários artigos científicos, livros e apresentações. Os seus atuais interesses de investigação são no domínio da comunicação de ciência, particularmente na área da saúde. Fundadora e CEO da Research Trial (www.research-trial.com), uma agência de Comunicação de Ciência. Usa o novo acordo ortográfico. Ana Catarina Mamede, from Peniche, completed the PhD in Biomedicine at the University of Beira Interior. She is member of the research team of the Biophysics Unit and the Center of Investigation in Environment, Genetics and Oncobiology of the Faculty of Medicine of the University of Coimbra. Author of several scientific articles, books and presentations. Her current research interests are in the field of science communication, particularly in health. Founder and CEO of Research Trial (www.research-trial.com), a Science Communication agency.