Os comportamentos de prevenção da doença têm como fim último o prolongamento da vida em condições de qualidade e dignidade. Contudo, subjaz, sempre a estes comportamentos uma atitude (saudável, entenda-se) de adiamento da inevitabilidade da morte, a qual constitui uma angústia universal.
Os comportamentos de promoção da saúde ao aumentarem a probabilidade de se viver por mais tempo, aumentam também a oportunidade de construirmos um sentido para a vida e, desse modo, aprendermos a lidar com a perspetiva da nossa mortalidade de um modo menos angustiante e consequentemente mais saudável do ponto de vista psíquico. Por sua vez, a própria adoção de comportamentos saudáveis depende da existência desse mesmo sentido ou propósito de vida.
O Antropólogo Ernest Becker (1973), citado por Itana Cruz na sua Tese de Mestrado intitulada: “Imortalidade Simbólica e Ansiedade Perante a Morte nas Patologias do Agir”, refere:
O medo da morte está sempre presente no funcionamento humano, servindo mesmo à auto-preservação, no entanto, nenhum ser humano é capaz de funcionar com esse medo sempre consciente(…).
Assim, na sequência de vários estudos realizados a partir dos anos 70, o psiquiatra americano Robert Lifton criou o conceito de imortalidade simbólica segundo o qual é proposto que a vida inclui formas simbólicas que permitem ultrapassar o medo da morte, pois através dos modos de imortalidade simbólica, a vida adquire sentido pessoal e histórico. Importa, por isso refletir sobre este conceito pela oportunidade que nos dá de nos focarmos, não apenas, nas estratégias que permitem minorar a nossa angústia perante a morte mas sobretudo nas estratégias que nos permitem construir um sentido para a vida.
Robert Lifton refere, então, cinco modos de imortalidade simbólica, os quais constituem imagens de continuidade, sem contudo negarem a inevitabilidade da morte. Por isso mesmo, são importantes mecanismos de defesa para garantir um psiquismo saudável. São eles:
– O modo biológico, o qual se relaciona com a continuidade que asseguramos através das gerações futuras. Aqui inclui-se a continuidade da nossa memória através dos nossos filhos e netos mas também através de outras relações sociais tais como as que estabelecemos com as organizações, povos ou cultura com que nos identificamos;
– O modo criativo, refere-se à imortalidade simbólica obtida pela obra produzida, seja ela uma obra de arte, uma obra literária, uma obra comunitária, uma descoberta científica, ou qualquer outra obra que permanecerá para além da nossa própria existência física;
– O modo religioso, dizendo respeito à noção de imortalidade simbólica adquirida por aqueles que creem em alguma forma de divindade e consequentemente, na promessa de uma existência para além da morte, seja pela sobrevivência da alma, seja, pela crença no renascimento;
– O modo de continuidade com a natureza, no qual se crê que sendo o ser humano parte do mundo natural e tendo este uma continuidade, após a morte o ser continuará embora integrado neste todo que é o universo. Este modo de imortalidade simbólica é particularmente expressivo nas culturas orientais;
– O modo de continuidade através de experiências transcendentais, o qual se relaciona com os modos anteriores e integra cada um deles na vida de cada pessoa, pois nesse caso o sentimento de imortalidade simbólica decorre da vivência, no aqui e agora, de experiências de tão grande intensidade que é criada a perceção de domínio ou transcendência do tempo e portanto da própria mortalidade. Creio que aqui se poderá mencionar, como exemplo, a experiência de plenitude provocada pela prática intensa e continuada da meditação, entre muitas outras experiências, obviamente.
A construção de uma imortalidade simbólica pode de certo modo ser equivalente a encontrar um propósito de vida, semelhante ao que é descrito pela expressão japonesa Ikigai, descrita como “a razão pela qual nos levantamos de manhã”. E este propósito tem-se vindo a revelar fundamental para alcançar a tão falada paz interior ou felicidade e está também, cada vez mais relacionado com o aumento da saúde e longevidade. Então… Qual é o seu Ikigai?
[fonte]Referências: Cruz, Itana (2009). Imortalidade Simbólica e Ansiedade Perante a Morte nas Patologias do Agir. Dissertação de Mestrado em Psicopatologia e Psicologia Clínica. Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Fonte da Imagem: http://ikigai.pt/[/fonte]