Interação entre alimentos, suplementos alimentares e a quimioterapia oral
As interações entre alimentos e a quimioterapia oral são comuns, podendo contribuir para aumentar a toxicidade relacionada com o tratamento. Apesar de se estimar que estas interações possam contribuir para 4% das mortes por cancro, esse impacto é, frequentemente, negligenciado. Os efeitos das práticas alimentares na absorção e na eficácia do citostático têm sido propostos como uma das explicações para a grande variação na toxicidade e nos resultados do tratamento dos doentes oncológicos.
Os fármacos podem afetar o estado nutricional mas os alimentos podem influenciar significativamente a biodisponibilidade (fração da dose administrada não alterada que atinge a circulação sanguínea) e o tempo de absorção dos medicamentos, através da interação química e da altura, da composição e do tamanho das refeições, podendo reduzir a sua eficácia.
Para muitos citostáticos, as doses terapêuticas e as mínimas associadas a efeitos tóxicos são muito próximas, podendo ser afetados pelas práticas alimentares.
Como exemplo, o caso do Lapatinib (p.e. cancro da mama) e do Nilotinib (leucemia mieloide crónica), que, quando tomados juntamente ou após uma refeição (menos de 2h) ou antes da mesma (menos de 1h), a sua biodisponibilidade pode ser prejudicada. Além disso, a quantidade de gordura de um alimento/refeição pode ter impacto nos tempos de absorção e nas doses absorvidas dos mesmos citostáticos.
Outro exemplo diz respeito à toma dos fármacos com sumos de fruta, particularmente de toranja. Estes podem alterar o pH do estômago e do intestino ou ter efeitos fisiológicos no epitélio intestinal, alterando significativamente a taxa de absorção do medicamento. A toranja reduz de forma considerável o pico de concentração de Nilotinib e as concentrações e a biodisponibilidade de Etoposido (p.e. tumores de células pequenas do pulmão), este em 48%.
É frequente a divulgação de dietas anti-cancro e de suplementos dietéticos que dizem curar a doença, o que é puramente especulativo. Produtos como o alho, o visco, o essiac (planta usada para infusão), o lingzhi (cogumelo usado na medicina tradicional chinesa), o hipericão e o astragalus são alguns exemplos.
Além de não haver fundamentação científica que justifique o seu uso como agentes terapêuticos e da evidência empírica dos mesmos ser muito fraca, investigações clínicas sugerem que alguns destes e de outros suplementos possam interferir com a quimioterapia. Por exemplo, o caso dos suplementos de vitamina C (ácido ascórbico) que, em estudos com animais, têm mostrado reduzir a atividade de Bortezomib (mielomas), pelo que se recomenda que os doentes evitem este tipo de suplementação.
Outro exemplo é o hipericão, o qual pode tornar o tratamento com Imatinib (p.e. leucemia mielóide aguda) ineficaz, já que os efeitos desta erva podem reduzir a concentração plasmática a valores abaixo da mínima dose terapêutica. Além disso, estudos laboratoriais com células hepáticas humanas sugerem que o metabolismo do Docetaxel (p.e. mama) pode estar acelerado em doentes oncológicos consumidores habituais de hipericão.
São várias as interações entre os alimentos e os citostáticos orais. Um artigo de revisão recente analisou a interação com 58 fármacos e concluiu que, para 9, a ingestão com alimentos está recomendada e que, para 20, a toma deve ser feita com o estômago vazio, dos quais 4 estavam sujeitos a uma importante influência da composição em gordura de um alimento ou refeição na sua absorção. Os autores referem ainda que 3 citostáticos interagem com os alimentos ricos em cálcio e com suplementos deste mineral, que a absorção de 9 é dependente do pH e que a toranja apresentava interações moderadas com 4 fármacos e significativas com 15.
Assim, informe a equipa multidisciplinar que o acompanha acerca de todos os medicamentos e suplementos alimentares que toma e não inicie nenhum sem o devido aconselhamento.